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Cientistas contestam a desextinção do lobo-terrível

Por Folha de São Paulo

09/04/2025 11h45 — em
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SÃO PAULO, SP (UOL/FOLHAPRESS) - Os chamados lobos-terríveis anunciados pela empresa de biotecnologia Colossal Biosciences na capa da revista Time anteontem não seriam verdadeiramente da espécie e, por isso, os Aenocyon dirus não teriam "retornado" da extinção, de acordo com cientistas.

A empresa criou três lobos - Rômulo, Remo e Khaleesi - que pertenceriam à espécie extinta há mais de 10 mil anos. Os animais, que teriam vivido nas Américas e inspiraram os animais da série "Game of Thrones", são resultado de engenharia genética, segundo a Colossal Biosciences.

Eles se basearam em DNA antigo do lobo-terrível verdadeiro. A informação genética do animal extinto serviu como um mapa para os especialistas, de acordo com a revista Time.

Cientistas disseram que isolaram células progenitoras endoteliais do sangue de um lobo-cinzento, o animal vivo com maior grau de parentesco genético com o extinto lobo-terrível. Estas células-tronco teriam formado o revestimento de vasos sanguíneos. Os geneticistas então disseram ter alterado 14 genes-chave do núcleo das células para que elas correspondessem às do lobo-terrível.

O núcleo alterado foi então transferido para um óvulo vazio, sem núcleo. Os experts afirmam ter produzido 45 óvulos desta maneira, que foram desenvolvidos em embriões em laboratório e depois foram inseridos no útero de duas cadelas de caça grandes e saudáveis, para serem capazes de dar à luz aos lobos. Segundo os cientistas, nenhuma das cadelas teve abortos espontâneos ou filhotes mortos ao nascer.

Primeiro nasceram Rômulo e Remo, em 1º de outubro de 2024. Em seguida veio Khaleesi, em 30 de janeiro.

POR QUE HÁ CIENTISTAS QUE CONTESTAM QUE ESSES ANIMAIS SEJAM LOBOS-TERRÍVEIS?

Eles dizem que não foi o DNA do lobo-terrível pré-histórico que foi incorporado ao genoma do lobo-cinzento. Os cientistas apenas manipularam o DNA do lobo-cinzento para que se tornasse compatível com o que se conhecia do material genético da espécie antiga.

O DNA do lobo-terrível foi obtido a partir de restos mortais fossilizados: um dente de 13 mil anos e um crânio de 72 mil anos. Segundo o paleogeneticista Nic Rawlence, da Universidade de Otago, na Nova Zelândia, material genético retirado de fósseis está sempre muito degradado para ser copiado totalmente geneticamente ou clonado.

"DNA antigo é como colocar DNA novo em um forno de 500ºC e deixar a noite inteira. Ele sai fragmentado, como em cacos e poeira. Você pode reconstruí-lo, mas não serve para fazer mais nada", disse Nic Rawlence, à BBC britânica.

Para cientistas que contestam o resultado, a técnica sintética utilizada permitiu identificar segmentos-chave do DNA antigo que desse ao lobo-cinzento a aparência do lobo-terrível. No entanto, seu "mapa genético" ainda seria o do animal moderno. "O que a Colossal produziu é um lobo-cinzento com algumas características similares às do lobo-terrível, como o crânio maior e a pelagem branca. [Este animal] é um híbrido", acredita Rawlence.

Para o professor de ecologia global Corey Bradshaw, não há provas robustas do sucesso na empreitada. "Quando se faz grandes afirmações e não sao fornecidas evidências associadas, especialmente para algo tão controverso, isso é um alerta vermelho gigante. Na melhor das hipóteses, eles exageraram. Na pior, estão mentindo."

Lobos-terríveis e lobos-cinzentos compartilhavam 99,5% de seu DNA, segundo a Colossal Biosciences. "Um lobo-cinzento é o parente vivo mais próximo de um lobo-terrível - eles são geneticamente muito similares - então nós tivemos como alvo sequências de DNA que levam aos traços de lobo-terrível e editamos as células do lobo-cinzento... Então, clonamos estas células e criamos nossos lobos-terríveis", havia comemorado a bióloga Beth Shapiro, diretora científica da empresa, à CNN.

Já parte da comunidade científica não acredita em "desextinção" porque o lobo-cinzento não é apenas uma espécie diferente do lobo-terrível, mas pertence a um gênero também totalmente diferente. Oficialmente, seu nome científico é Canis lupus, ou seja, ele não partilha nem o primeiro nome com o Aenocyon dirus.

Lobos-cinzentos se diferenciaram dos lobos-terríveis entre 2,5 a 6 milhões de anos atrás. "A Colossal comparou os genomas do lobo-terrível e do lobo cinzento e, de cerca de 19 mil genes, eles determinaram que [apenas] 20 mudanças em 14 genes daria a eles um lobo-terrível", reclamou Rawlence

Modo de vida também é importante para determinar uma espécie. Adam Boyko, geneticista da Universidade Cornell, nos EUA, também não considera ue Rômulo, Remo e Khaleesi sejam lobos-terríveis. "Eles não estão sendo criados em alcateias de lobos-terríveis, onde podem aprender o comportamento de um lobo-terrível". Além disso, o especialista apontou que eles não comem os mesmos alimentos disponíveis na pré-História e, por isso, não podem adquirir o microbioma intestinal de seus ancestrais.

Não se sabe quantos genes fazem um lobo-terrível. Ainda de acordo com Boyko, estes animais carregam 20 genes dos ancestrais, o que pode revelar algo sobre a biologia da espécie extinta, mas ele acredita que muitos outros genes os diferenciava de outros lobos na época. "Não sabemos que número era este. Poderia ter sido 20 ou poderia ter sido 2.000", afirmou ao jornal The New York Times.

Questão seria filosófica? Para Love Dalén, professor de genômica evolutiva da Universidade de Estocolmo, na Suécia, e conselheiro da Colossal, acredita que sim, o problema de "quantos genes fazem um lobo-terrível" seria mais existencial do que científico. "Não é segredo que em todo o seu genoma, estes são 99,9% lobo-cinzento. Mas eles carregam genes de lobo-terrível e estes genes fazem com que eles se pareçam mais com um lobo-terrível do que qualquer coisa que vimos nos últimos 13 mil anos. E isso é muito legal", relativiza.


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