Cotas para mulheres vítimas de violência chegam a empresas e órgãos públicos
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RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) - Rosinalda Araújo, 39, estava grávida do filho mais velho quando decidiu denunciar o ex-marido por violência doméstica pela primeira vez. No mesmo ano, enquanto o filho ainda era bebê, foi agredida a ponto de entrar em coma por sete horas.

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Após esse episódio, Rosy, como é conhecida, foi encaminhada pela Justiça a uma casa abrigo para vítimas de violência, onde ficou por um mês. Segundo ela, o ex-marido foi condenado à prisão, mas, por ser réu primário, ficou na cadeia por poucos meses.
Um tempo depois que ele saiu, os dois reataram o relacionamento. Ficaram juntos por 15 anos, até se separarem, em 2023.
"Tiveram diversos momentos que achava que ele ia me matar, que eu ia deixar meus filhos. Mas eu dei [a ele] outras oportunidades, era o meu primeiro relacionamento e não tinha experiência nenhuma", afirma.
"Eu precisava mostrar para amigos e parentes que tinha uma vida boa, um marido maravilhoso e uma família perfeita."
Ao longo do casamento, Rosy enfrentou uma série de agressões físicas e psicológicas enquanto tentava escapar da relação, permeada pela dependência emocional. Moradora de Brasília, ela não contava com uma rede de apoio por perto, já que sua família vive no Piauí.
Aos poucos, com a ajuda de serviços voltados a vítimas de violência, Rosy foi ganhando forças. Hoje trabalha como assistente administrativo em um ministério do governo federal.
"Nesse órgão público, não tenho preguiça de levantar para trabalhar, porque venho feliz. Aqui, eu respiro", diz. "Minha mente está bombando, mas não de coisas ruins. Vão sair alguns concursos agora e estou sonhando com isso. Não vou deixar minha vida parada por conta do que passei lá atrás."
Rosy foi uma das beneficiadas pela cota para mulheres vítimas de violência doméstica, instituída por decreto em 2023 no governo federal. Hoje, a política é adotada em diferentes entes federativos, poderes e até empresas públicas.
As ações afirmativas são aplicadas para vagas terceirizadas, com objetivo de promover independência financeira para ajudar as vítimas a escapar de reações abusivas.
No governo federal, as empresas que vencem uma licitação para prestar serviços precisam ter 8% das profissionais advindas da cota.
Para contratar essas funcionárias, as companhias buscam órgãos de políticas para mulheres, que, por sua vez, contatam as vítimas para oferecer vagas. Todo o processo é anonimizado, sem que o governo saiba quem entrou pela cota ou não.
Para implementar a ação afirmativa, cada estado precisa fazer um acordo de cooperação técnica com o governo federal. Até agora, 15 unidades da federação em todas as regiões do país já aderiram, incluindo Amazonas, Bahia, Espírito Santo, Goiás, Paraíba e Rio Grande do Sul.
As cotas são aplicadas em licitações com pelo menos 25 vagas. Isso é um desafio na implementação da política, já que boa parte dos editais oferece menos de dez vagas, de acordo com Kathyana Buonafina, secretária-adjunta de Gestão e Inovação do Ministério da Gestão.
A pasta prepara uma atualização do decreto para que licitações menores possam contratar mulheres pela ação afirmativa, segundo a secretária. Além disso, os 8% passariam a ser uma cifra mínima de reserva de vagas, o que incentivaria instituições a contratarem mais pela cota. As mudanças devem sair ainda neste mês
"Boa parte do PIB brasileiro vem de contratações públicas. Se a gente induz o mercado a promover ações de equidade de gênero, mudamos o comportamento das empresas, para abrir caminhos e trazer prosperidade a várias mulheres no país inteiro."
O Distrito Federal foi um dos primeiros a firmar o acordo com o Ministério da Gestão para adotar a cota, pela proximidade física com os órgãos de poder, de acordo com Giselle Ferreira, secretária da Mulher no estado.
O estado também apoia órgãos como o Superior Tribunal de Justiça e o Senado Federal, cada um com suas próprias ações afirmativas para mulheres vítimas de violência. Ao todo, há 220 profissionais contratadas devido à cota em diferentes instituições no DF.
Mesmo contratada, a funcionária permanece recebendo apoio dos equipamentos públicos, como ajuda psicológica e acesso a serviços de assistência social. No Distrito Federal, as mulheres podem ainda passar por capacitação para atuar em algumas funções, como copeira.
"O enfrentamento da violência passa pela autonomia financeira", diz Ferreira. "A secretaria é a porta de entrada, já que a gente recebe essas mulheres que estão passando por situação de vulnerabilidade. A empregabilidade é a porta de saída."
Além do governo federal, oito estados criaram os próprios decretos para implementar as cotas: Rio Grande do Norte, Bahia, Maranhão, Paraíba, Rio de Janeiro, Santa Catarina, Paraná e Sergipe. O Distrito Federal se prepara para lançar a iniciativa ainda este ano, de acordo com a secretária Giselle.
Além de instituições de Estado, ao menos uma empresa pública adotou a política. A Sanepar (Companhia de Saneamento do Paraná) estabeleceu, no último concurso, cota de 2% para mulheres vítimas de violência em vagas como engenheira e psicóloga. Fátima Techy, que chefiou a comissão do certame, afirma discordar do percentual previsto em lei no estado.
"Na minha opinião, ele tem que ser revisto e ampliado, tanto quanto as demais cotas."
Para ter direito à ação afirmativa, a candidata precisava estar com uma medida protetiva da Lei Maria da Penha. Na inscrição, era solicitado o despacho do juiz que concedeu a medida. Os resultados foram divulgados em março.
Segundo Fernando Guedes, diretor administrativo da Sanepar, a empresa está sendo preparada para receber as novas funcionárias
"Entendemos que a chegada e o acolhimento dessas mulheres têm que ser feita de uma maneira diferenciada, discreta e individualizada, garantindo que não haja uma exposição desnecessária."
COTAS PARA MULHERES VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA
- Quem já adota? Órgãos dos três Poderes, incluindo STJ e Senado, além de ao menos uma empresa pública
- Pelo menos oito estados também implementaram a política
- No governo federal, empresas que vencem licitação para prestar serviços devem ter 8% das profissionais advindas da cota
- Forma de comprovar o direito à ação afirmativa varia: em alguns casos, a mulher deve ter passado por órgão de proteção; em outros, ter medida protetiva para ação prevista na Lei Maria da Penha

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