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Grávida denuncia deboche e intimidações após PM matar jovem no interior de SP

Por Folha de São Paulo

11/04/2025 11h00 — em
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SÃO PAULO, SP (UOL/FOLHAPRESS) - Moradores da comunidade Boa Esperança, em Piracicaba, no interior paulista, denunciaram à Polícia Civil coações e intimidações de policiais militares na mesma semana da morte de Gabriel Junior Oliveira Alves da Silva, 22. O jovem morreu baleado na cabeça em uma abordagem da Polícia Militar em 1º abril.

A viúva, Rebeca Mirian Alves Braga, 19, grávida de oito meses, diz que viaturas têm passado em frente à sua casa com frequência e tentaram retirar faixas com dizeres de "Justiça" após um protesto liderado por familiares e amigos.

A SSP-SP (Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo) disse em nota à reportagem que "não compactua com excessos" e que os PMs foram afastados de suas funções.

O QUE ACONTECEU

Gabriel foi morto na rua Cosmorama, no bairro de Vila Sônia, em Piracicaba. Vídeos divulgados nas redes sociais mostram o desespero de moradores e da esposa após o barulho de um disparo.

Polícia afirma que houve resistência. No boletim de ocorrência, o soldado Leonardo Prudêncio Machado e o cabo Júnior César Rodrigues alegam que o jovem estava com "um volume suspeito" e que tentou resistir à abordagem ao tentar arremessar uma pedra contra eles. Os policiais afirmam que a esposa tentou impedir a abordagem. Nada de ilícito foi encontrado com Gabriel.

Familiares e testemunhas contam outra versão. Rebeca afirma que saiu com o marido para comprar um refrigerante num bar e uma porção de milho cozido num trailler próximo. Depois, quando estavam subindo a rua para ir para casa, uma viatura parou no local e os policiais decidiram abordar Gabriel e um outro rapaz.

"[Os policiais] mandaram ele ir pra calçada e botar a mão na cabeça. Até aí tudo bem. Revistaram ele. Eu parei um pouco mais pra cima, não parei perto porque pra mim ia ser rápido. Eu tava mais pra cima comendo meu milho. O outro policial que tava revistando meu marido começou a socar ele por trás. Aí eu dei dois passos pra frente e falei: 'Não precisa bater nele. Por que tá batendo nele?'", contou Rebeca.

Rebeca diz que, em seguida, o outro policial liberou o outro rapaz e andou na direção dela. "Ele me deu um empurrão e puxou meu cabelo. Daí eu vi o meu marido tentando vir pra perto de mim, pra tentar separar o outro policial de cima de mim. Ele conseguiu se soltar do outro policial e saiu correndo. Nessa hora que ele saiu correndo, eu só ouvi o barulho do tiro. Aí foi que todo mundo começou a gritar. Fiquei desesperada".

Vídeos gravados por testemunhas mostram Rebeca correndo para tentar socorrer Gabriel. Em parte das filmagens, um dos policiais aparece puxando a jovem pelos cabelos e pela nuca.

PMs DISSERAM QUE 'O LIXO TAVA NO CHÃO', AFIRMA VIÚVA

"Eu entrei em desespero, comecei a chorar". Mesmo assim, ela diz que os policiais a detiveram na parte de trás da viatura com violência. "Aí nisso o policial não respeitou. Do mesmo jeito foi lá pra cima de mim, me puxou pelo cabelo de novo, puxou minha blusa pela gola e começou tipo a me enforcar pela blusa, [dizendo] que eu ia ser presa", diz.

Enquanto gritava para que Gabriel fosse socorrido, Rebeca diz que os policiais debocharam dele. "Ele falava que meu marido era um lixo, que o lixo tava no chão. Ele tava zoando, debochando da minha cara, e eu no camburão".

Gabriel foi socorrido, mas não resistiu. De acordo com o laudo necroscópico, ele foi atingido com um tiro, acima da nuca, próximo à orelha direita. A informação foi antecipada pelo site Ponte Jornalismo. A perícia também identificou lesões no braço, no tornozelo, no ombro, no pescoço e nos glúteos de Rebeca.

Jovem deixou três filhos. O casal, amigo de infância, tinha um relacionamento há sete anos e planejava um chá de bebê para a chegada da mais nova. As outras crianças são um menino de seis anos e uma menina de 10 meses. "Meu filho mais velho está sofrendo muito, era muito apegado a ele", lamenta. "O que eu quero é que os policiais sejam presos."

POLICIAL AFIRMOU QUE LEVARIA PEDRADA

PM disse que tinha arma de choque, mas não usou. Segundo o depoimento do cabo Júnior Rodrigues, o colega tinha uma arma de choque consigo, mas não conseguiu usá-la porque estava "em luta corporal" com a esposa de Gabriel. O cabo declarou que primeiro tentou imobilizá-lo segurando na mão e no pescoço de Gabriel, mas que ele conseguiu se desvencilhar.

Policial diz que atirou no momento em que o jovem teria tentado jogar uma pedra contra ele. "Eu olhei para trás, visualizei [Gabriel] ali com essa pedra maior. Verbalizei com ele três ou quatro vezes para ele largar a pedra, que se jogasse essa pedra em mim, eu ia atirar nele, porque era o único recurso que eu tinha ali. Não tinha outro recurso", disse em depoimento. Uma adolescente disse que viu o casal ser agredido e que Gabriel foi baleado ao levantar o braço, parecendo que ia jogar algo.

Comerciante denunciou que os PMs pediram as filmagens das câmeras do seu estabelecimento. O equipamento, no entanto, não registrou a ação. Ele disse que Gabriel tentou se defender e que é comum a polícia ser agressiva na comunidade.

As armas dos PMs foram apreendidas. Os policiais não usavam câmeras corporais porque o batalhão de Piracicaba ainda não foi contemplado pelo programa da corporação.

OUVIDORIA APONTA EXCESSO DA PM

Ouvidoria das Polícias apura o caso. O ouvidor Mauro Caseri disse por meio de nota que instaurou procedimento para acompanhar a investigação e reforçou a importância do uso das câmeras corporais com gravação ininterrupta. O novo modelo a ser implantado pelo governo estadual é de acionamento manual. "Mais um episódio de violência extrema, cujo desfecho fatal poderia ter sido evitado com a adoção do uso progressivo da força, com armas de menor poder de letalidade, que poderiam ter poupado a morte e a destruição de famílias", afirmou.

Presidente do Condepe (Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana), Adilson Santiago também cobrou providências. "Não é legítima ou admissível que os treinamentos e táticas de defesa da polícia não utilize medidas de gradação do afastamento do perigo para o agente, não há medida que justifique um agente da segurança pública executar um jovem que tinha uma pedra na mão com um tiro fatal, quando os mesmos possuem técnicas e armas não letais que podem ser utilizadas".

DENÚNCIAS SÃO INVESTIGADAS EM INQUÉRITO POLICIAL MILITAR, DIZ SECRETARIA

SSP-SP afirma que "não compactua com desvios de conduta" e que policiais foram afastados. O órgão não esclareceu, no entanto, porque o batalhão de Piracicaba ainda não foi contemplado pelo programa de câmeras corporais, ou porque apenas um dos agentes dispunha de arma de choque, menos letal. Veja a íntegra do texto:

"A Polícia Militar não compactua com desvios de conduta ou excessos por parte de seus agentes, punindo com rigor todas as ocorrências dessa natureza. Dois policiais envolvidos na ação já foram afastados de suas funções, e todas as circunstâncias relacionadas aos fatos estão sendo apuradas por meio de um Inquérito Policial Militar (IPM). O caso também é investigado pela 3ª Delegacia de Homicídios da Deic, do Deinter 9. A Corregedoria da PM está à disposição para receber e apurar eventuais denúncias de irregularidades envolvendo seus agentes. Quanto ao ofício mencionado, ele foi recebido pela SSP e encaminhado à Polícia Militar para as devidas providências SSP-SP", diz a nota enviada à reportagem.


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