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Pangolim pode ser elo perdido entre coronavírus e seres humanos, diz nova pesquisa

Por Folha de São Paulo

27/03/2020 13h10 — em
Mundo


Pangolim bebê Foto: Sukree Sukplang/ Divulgação

SÃO CARLOS, SP (FOLHAPRESS) - O mamífero que é a maior vítima do comércio ilegal de animais selvagens no mundo carrega em seu organismo vírus muito similares ao Sars-CoV-2, causador da atual pandemia de coronavírus. Esses animais, os pangolins, talvez sejam um importante "elo perdido" no processo que permitiu ao novo parasita saltar de animais para seres humanos, sugere uma nova pesquisa.

Conhecidos como pangolins, os bichos em questão se alimentam de insetos, têm o corpo coberto por escamas protetoras e se enrolam em bolas como proteção contra predadores. Suas escamas são amplamente usadas na medicina tradicional da China e de outros países asiáticos, o que explica os números impressionantes do comércio de pangolins (cerca de 100 mil são vendidos por traficantes de animais na China e no Vietnã todos os anos) e sua presença constante em mercados de cidades como Wuhan, onde a pandemia de coronavírus começou no fim do ano passado.

Vários dos casos iniciais da doença se concentravam entre os frequentadores de um mercado de frutos do mar da cidade que também vendia animais selvagens vivos.

Desde que ficou clara a gravidade da doença, os cientistas passaram a investigar muitas espécies de animais nativas da Ásia, com o objetivo de identificar o bicho que seria o reservatório natural do vírus, ou seja, a espécie em cujo organismo o Sars-CoV-2 evoluiu antes de chegar aos seres humanos (já que, ao que tudo indica, esse coronavírus ainda não tinha circulado pela população da nossa espécie antes).

Até hoje, o vírus identificado em animais que apresenta a maior semelhança genética com o Sars-CoV-2 foi achado em morcegos, tendo similaridade de 96% com o patógeno que agora está se espalhando entre humanos.

Mas a nova pesquisa, coordenada por Yi Guan, do Instituto Conjunto de Virologia da Universidade de Shantou e da Universidade de Hong Kong, mostrou que os coronavírus obtidos de pangolins chegam perto desse número, alcançando até 92,4% de similaridade com o Sars-CoV-2.

Em seu estudo na revista científica Nature, Guan e seus colegas detalham os resultados da análise de amostras de pangolins-malaios (da espécie Manis javanica) apreendidos pelas autoridades no sul da China em 2017 e 2018, mostrando que, dos 30 animais estudados, 8 carregavam formas de coronavírus aparentadas às da atual pandemia.

Outro detalhe importante da análise é que, embora os vírus de morcegos sejam ligeiramente mais parecidos com o que infecta humanos, certas variantes achadas em pangolins são quase iguais ao Sars-CoV-2 justamente num pedaço de uma das proteínas virais conhecido como RBD (domínio de ligação ao receptor, na sigla inglesa) -ou seja, a estrutura que o vírus usa para se conectar com as células. Já os vírus de morcegos são bem diferentes do de humanos nesse aspecto-chave.

A questão é como interpretar exatamente esses dados. No estudo, Guan e seus colegas citam uma série de possibilidades. Uma delas é que a proteína usada pelo vírus para invadir as células tenha essas semelhanças em pangolins e humanos justamente porque a "fechadura" das células, o chamado receptor, é mais parecido entre as duas espécies do que entre humanos e morcegos. Nesse caso, o vírus teria se adaptado de forma paralela em pessoas e pangolins.

Outra possibilidade, que seria mais importante para entender a origem da pandemia, é que teria havido uma mistura genética entre os vírus de pangolins e de morcegos antes que o patógeno conseguisse invadir o organismo humano. Esse processo é relativamente comum no caso dos vírus -aconteceu, por exemplo, com o H1N1, causador da chamada gripe suína, que possui contribuições genéticas de vírus de aves e de porcos.

Nesse caso, é concebível que os vírus de morcegos e de pangolins tivessem "cruzado" na natureza e, como etapa final, o contato com pangolins teria levado ao aparecimento gradual do vírus humano. Ainda é difícil demonstrar essa hipótese, no entanto.

De qualquer modo, os pesquisadores destacam que é preciso continuar monitorando os bichos e, principalmente, tomar muito cuidado ao lidar com os animais. "A venda de pangolins em mercados deveria ser estritamente proibida", recomendam eles. O que também seria uma boa notícia para a conservação da espécie, já que o pangolim-malaio está criticamente ameaçado de extinção.


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