Pesquisador estima 'prazo de validade' da fitinha do Bonfim, amuleto entre baianos
SALVADOR, BA (FOLHAPRESS) - Assim que subirem a Colina Sagrada nesta quinta-feira (16), concluindo o cortejo religioso entre a Basílica da Conceição da Praia e a Basílica Senhor do Bonfim, em Salvador, fiéis católicos e adeptos do candomblé seguirão a tradição de amarrar fitinhas no pulso ou nas grades que cercam a igreja.
Encaradas como um amuleto, as fitinhas devem ser atadas com três nós, cada um deles representando uma graça a ser alcançada. É preciso ter paciência, porém: a devoção prevê que os pedidos serão concretizados apenas quando a fita se romper naturalmente.
Mas quanto tempo leva para que a fitinha do Senhor do Bonfim se rompa? E qual a probabilidade de que ela quebre em um curto espaço de tempo? O físico Marcio Luis Ferreira Nascimento, professor de estatística da Escola Politécnica da UFBA (Universidade Federal da Bahia), foi em busca de respostas para estas perguntas que sempre intrigaram baianos e turistas.
Para estimar o "prazo de validade" da fitinha, Nascimento recorreu à análise Weibull, estatística creditada em homenagem ao engenheiro e militar sueco Ernst Hjalmar Waloddi Weibull (1887 - 1979).
A análise tenta fazer previsões sobre a vida útil de produtos com base uma amostra representativa de unidades. Costuma ser usada para fazer previsões com certa segurança, desde a vida útil de uma peça ao rompimento de uma barragem, abrangendo o que se denomina de engenharia da confiabilidade.
"Cada prazo está vinculado a uma probabilidade. Há todo um conhecimento que prevê casos, seja de rompimento das fitinhas do Bonfim, ou de quando uma peça da roda de um carro vai apresentar defeito, por exemplo", explica.
Nascimento cita um experimento que ilustra, em termos comparativos, o número de dias que uma fitinha do Bonfim pode levar para se romper naturalmente: basta pegar um clipe de papel e torcê-lo de aproximadamente 60 graus.
Repetindo movimentos de vai e vem, conta-se o número de vezes que o clipe foi torcido até o rompimento (também chamado de fadiga). É preciso repetir o procedimento ao menos por sete vezes com sete clipes de mesmo tamanho, seguindo o mesmo modo.
Para verificar a vida útil das fitinhas, foram analisadas as datas de rompimento em um universo com sete fitinhas do modelo mais simples. A primeira fita se rompeu com apenas 40 dias, seguida pela segunda com 72, a terceira com 105, a quarta com 110, a quinta com 121, a sexta com 138 e a sétima com 150 dias.
"No caso das fitinhas, dentre duas e três pessoas, espera-se que rompam em três meses e meio, aproximadamente. É um número que está próximo da previsão dos dados e do senso comum dos vendedores de fitinhas", afirma Nascimento.
Ele destaca que, tanto as fitinhas do Bonfim, quanto os clipes, podem romper com menos ou mais dias, ou com menos ou mais torções. O essencial é que tais números se ancoram em uma regra estatística observada por Weibull.
Entre outras coisas, tal resultado mostra que situações diversas apresentam o mesmo comportamento (sejam estes números de dias da fitinha ou de torções de um clipe). Com base nestes dados, explica Nascimento, é possível prever outros momentos de rompimento com certo grau de probabilidade.
CULTO AO BONFIM
O culto ao Senhor do Bonfim na Bahia começou há 280 anos, quando a imagem peregrina veio de Setúbal, em Portugal, para cumprir uma promessa do capitão de mar e guerra Theodósio Rodrigues de Faria.
A tradição do cortejo começou há 252 anos, em 1773. Foi iniciada por romeiros e escravizados que, a mando dos senhores integrantes da Irmandade do Senhor do Bonfim, limpavam e enfeitavam a igreja para a missa de domingo.
A festa, de caráter religioso, é marcada pelo sincretismo. Reúne, lado a lado, o culto ao Senhor do Bonfim pelos católicos e a celebração de Oxalá pelos adeptos do candomblé. O cortejo acontece sempre na quinta-feira que antecede o segundo domingo após o Dia de Reis.
A origem da fitinha do Bonfim é mais antiga. A pesquisadora Helenita Hollanda, que se dedica a estudos sobre a religiosidade oficial e popular, encontrou nos arquivos da Irmandade do Bonfim documentos sobre a ancestral da fitinha, a "medida do bonfim".
As peças eram do tamanho (47 centímetros) do braço da imagem do Senhor do Bonfim, existente no altar da igreja. Eram feitas com tecidos de boa qualidade como seda, decoradas com imagens do santo por artistas contratados pela irmandade e vendidas para arrecadar dinheiro para a manutenção do templo.
O Livro de Compromissos do Bonfim, de 1792, aponta que as medidas já existiam na igreja em 1792. Mas a sua popularização aconteceu anos depois, quando o tesoureiro da irmandade e comerciante português Manoel Antonio da Silva Serva fomentou a fabricação e venda das medidas da igreja.
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