'Predinhos' nos Jardins enfrentarão anos de burocracia
SÃO PAULO, SP (UOL/FOLHAPRESS) - A revisão do tombamento do bairro dos Jardins, em São Paulo, abre caminho para construção de condomínios baixos, de até três andares, mas especialistas ouvidos pelo UOL explicam que o processo para essas construções será burocrático e dependerá de instâncias públicas, privadas e até de vizinhos dos lotes a serem vendidos.
Moradores pretendem travar batalha judicial para cancelar revisão. A associação de moradores dos Jardins informou ao UOL que vai recorrer da decisão do Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo (Condephaat), o que deve adiar ainda mais o processo, que tramita há dez anos, ou até mesmo cancelá-lo.
Justiça suspendeu a mudança na regra de tombamento na última quinta-feira (19). A 2ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo acatou pedido do Movimento Defenda São Paulo. Assim, uma nova decisão judicial precisa ser tomada para que a regra volte a valer.
Caso a revisão se torne oficial, a Companhia City, loteadora da área, também precisará dar aval às construções. A autorização é necessária porque viola uma restrição imposta pela empresa no momento em que construiu e idealizou o bairro, explicou o advogado Pedro Bicudo, especialista em direito imobiliário e urbanístico ambiental e sócio do escritório Graça Couto Advogados, ao UOL.
"Quando a Companhia City fez o Jardim América, ela impôs restrições. Entre as restrições, está a de ter só uma casa por lote. Então, ainda que o tombamento tenha sido revisado para permitir mais de uma casa por lote, a gente vai ter uma segunda instância, que é a de enfrentar as restrições da companhia", disse Pedro Bicudo, ao UOL.
A restrição vale para Zonas Exclusivamente Residenciais, nomenclatura que abrange maior parte do bairro. No estado, há jurisprudência favorável a uma associação de moradores, que conseguiu bloquear a construção de um condomínio na cidade de São Paulo após cinco anos de briga judicial.
Os vizinhos da construção também precisarão ser ouvidos, seguindo o que prevê a Lei Municipal de Zoneamento. A legislação da cidade de São Paulo pontua que as restrições do loteador prevalecem e, para modificar essas restrições, precisa ser firmado um acordo não só com a loteadora, mas também com "proprietários dos lotes atingidos pela alteração".
Conselho municipal também tem voz sobre tombamentos e preservação, explica professora. A docente Maria Lucia Refinetti, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo e de Design da USP, afirmou que o Conpresp (Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo) também pode ser um obstáculo para algumas construções na região. Entre os bens tombados nos Jardins estão o Casarão dos Bocaína e o Instituto Oscar Freire.
Consenso entre os especialistas é de que mudança vai demorar a acontecer. As burocracias e trâmites legais devem adiar por anos qualquer possível construção.
"Não é só o Estado que pode aprovar ou não a construção de um prédio. Então a situação não é tão simples quanto a gente imagina que seja. Eles não vão publicar a decisão no Diário Oficial amanhã e depois de amanhã vai ter prédio de 15 andares. Não corremos esse risco", disse Maria Lucia Refinetti.
"Acho que vai haver uma mudança, que com o tempo essa mudança vai ser positiva para os bairros, mas ela não é imediata. Existem outras questões que precisam ser debatidas, sobretudo com relação às restrições", disse Pedro Bicudo.
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O POSITIVO E O NEGATIVO NA REVISÃO
Revisão é mais compatível com modelos atuais de família e habitação. A professora Maria Lucia Refinetti explica que as construções dos Jardins são pensadas para famílias grandes e abastadas, com muitos prestadores de serviço, realidade que mudou no país. "Esses bairros foram feitos com uma perspectiva de serem chiques, bem qualificados, com terrenos grandes onde você só podia fazer uma casa. As famílias eram grandes, havia empregados trabalhando para manter essas casas grandes", explica Maria Lucia Refinetti.
Possibilidade de que mais pessoas morem na área sem a criação de prédios "gigantes" é boa. O advogado Pedro Bicudo lembra que a manutenção da altura das construções com até 10 metros vai gerar um melhor aproveitamento da infraestrutura boa que o bairro fornece, sem superpopular o espaço.
"A gente não está falando de uma especulação imobiliária do ponto de vista negativo, que vai subir prédios de 20 andares. Não existe isso. A gente está falando de prédios pequenos", disse Pedro Bicudo.
Preservação do verde é essencial, afirma professora. Maria Lucia Refinetti explicou que o bairro é considerado um "pulmão" para a região e, ao pensar em mudanças estruturais, é necessário levar em consideração a preservação dessas áreas arborizadas. "Quando você fala em urbanismo, em preservação, é importante priorizar o interesse público da cidade", afirmou.
Área não precisa de mais comércios. Uma das mudanças na resolução é que a utilização das residências para fins comerciais, que antes só era permitida na rua Estados Unidos e na avenida Europa, agora deverá ser analisada pela prefeitura. A professora da USP afirmou que isso vai contra a projeção de o que é ideal para a cidade, que seria a criação de empregos em áreas menos centrais, diminuindo, assim, a circulação exagerada de pessoas e veículos na área.
"Do ponto de vista da cidade, o uso comercial e de serviços não interessa, porque já tem bastante na região. As preocupações sobre ter um restaurante que faz fumaça, onde param carros, ou um bar que faz barulho são justas", disse Maria Lucia Refinetti.
O QUE DIZEM OS MORADORES
Decisão do Condephaat não respeita a proteção histórica do espaço, a natureza e a qualidade de vida dos moradores. Em nota enviada ao UOL, a AME Jardins afirmou que a mudança não considera os aspectos fundamentais para a preservação urbanística e ambiental da área. A associação de moradores questiona quais são "os reais interesses" por trás das novas regras.
Estudos técnicos são necessários e diretrizes atuais já são suficientes para proteção da área. A associação citou o voto de uma das conselheiras do Condephaat, que afirmarva que o tombamento precisava de "ajustes pontuais" em 2022, e uma manifestação do Ministério Público, que afirmou que as mudanças "reduziriam a proteção" dos Jardins.
Moradores vão recorrer à decisão. Eles têm um prazo de cinco dias após a publicação da resolução no Diário Oficial do Estado. "Vamos continuar defendendo os moradores, recorrendo às instâncias necessárias", afirmou o presidente da AME Jardins, Fernando de Sampaio Barros.
"Não podemos aceitar mudanças que enfraquecem a proteção dos Jardins e colocam em risco o futuro da região com relevância ambiental e urbanística para toda a cidade", disse Fernando de Sampaio Barros, presidente da AME Jardins.
O QUE DIZ O CONDEPHAAT
Artigo que lista os valores do bairro permanece intacto, diz representante do conselho. Ao UOL, a vice-presidente, Mariana Rolim, afirmou que o órgão não entende a revisão como um fator que vai descaracterizar o bairro, e sim como algo benéfico e que ajuda a entender o que é e o que não é permitido na área.
Ela afirmou que uma série de regras devem ser seguidas para as ações de desmembramento e remembramento. Entre elas, está a aprovação prévia do próprio conselho para todas as ações feitas na região.
Conselho proibiu a criação de vilas e reforçou a manutenção do verde, diz o órgão. A criação de ruas dentro dos lotes, o que caracterizaria uma vila, foi vetada e agora as árvores que forem cortadas precisarão ter uma compensação dentro do mesmo lote. "Hoje eu posso, por exemplo, cortar uma árvore que está com algum tipo de problema e fazer essa compensação em outro bairro da cidade", afirmou.
"O que a gente entende é que, com essa mudança, a gente vai conseguir ter o bairro mais preservado. O objetivo desse novo texto é deixar mais claro para a sociedade que pode e o que não pode fazer", disse Mariana Rolim, vice-presidente do Condephaat, ao UOL.
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