Pressionado, Temer afasta quatro vice-presidentes da Caixa por 15 dias
BRASÍLIA - Após passar dias fincando a posição de que não cederia ao apelo do Ministério Público Federal para que diretores da Caixa suspeitos de irregularidades fossem afastados, o Palácio do Planalto se viu obrigado nesta terça-feira a recuar e anunciou que quatro diretores da instituição ficarão 15 dias fora de seus cargos para prestar esclarecimentos. O assunto, ao qual vinha sendo dada pouca importância, se tornou uma crise dentro do governo após o próprio Banco Central recomendar, no meio da tarde, o afastamento dos investigados.
Por trás do imbróglio está um documento produzido pelo escritório Pinheiro Neto, e divulgado pelo GLOBO na semana passada, que cita o próprio presidente Michel Temer e alguns dos ministros mais importantes de seu governo, como Moreira Franco (Secretaria-Geral da Presidência) e o ex-ministro Geddel Vieira Lima. O escritório foi contratado pela Caixa, por determinação do Conselho de Administração, para realizar uma auditoria independente em relação às denúncias envolvendo vice-presidentes da instituição.
O presidente Michel Temer aparece em depoimentos de ao menos dois vice-presidentes no relatório de investigação interna da Caixa. Quando era vice-presidente, teria enviado e-mail no dia 28 de outubro de 2015 para indicar um nome como superintendente regional de Ribeirão Preto. Roberto Derziê de Sant’Anna, vice-presidente de Governo na Caixa, teria encaminhado o pedido. Derziê já foi secretário executivo de Temer em 2015 na Secretaria de Relações Institucionais. O executivo afirmou ainda que o presidente percebeu sua utilidade em termos de “gestão dos repasses nas emendas parlamentares”. De acordo com o texto do relatório, Derziê e Moreira Franco têm relação de proximidade e, por vezes, o executivo da Caixa recebeu pedidos do ministro, inclusive em relação ao fornecimento de informações sobre o status de operações em trâmite na Caixa. Quando testemunhou, Derziê disse que não passou os dados.
TEMER NÃO DEVE INDICAR MAIS EXECUTIVOS
O relatório cita a possível interferência do ex-deputado Eduardo Cunha sobre Antonio Carlos Ferreira, vice-presidente corporativo. Segundo o “Jornal Nacional”, Ferreira disse ter contado o ocorrido ao então presidente do banco, Jorge Hereda, e que este teria sugerido que ele procurasse Michel Temer, que era vice-presidente à época. De acordo com o “JN”, Temer teria dito para Ferreira “continuar trabalhando” porque Cunha seria um deputado “controverso” e disse que estava recebendo ligações de Cunha naquele exato momento. Nesta terça, o Palácio do Planalto disse que, ao ser informado da situação por Ferreira, o presidente “tranquilizou” Ferreira para que mantivesse seu comportamento inalterado.
A turbulência no meio político foi tão grande nesta terça que antecipou uma mudança estrutural no banco público. Uma assembleia do Conselho de Administração foi convocada para sexta-feira. Segundo fontes ouvidas pelo GLOBO, ela deve aprovar que a prerrogativa de escolher os vice-presidentes da instituição deixe de ser do presidente da República e passe a ser do presidente do conselho. Os executivos que saíram são ligados a legendas importantes, como o PMDB, o PP e o PRB. Com a mudança, Temer evitaria se indispor com partidos da base antes da reforma da Previdência.
A crise com a Caixa começou em dezembro, quando o MPF recomendou o afastamento de todos os 12 vice-presidentes do banco com base em informações disponíveis de quatro operações da Polícia Federal que envolvem diretamente a Caixa: Cui Bono, Sépsis, A Origem e Patmos. Na época, o governo ignorou o pedido da Procuradoria. O mal-estar aumentou quando os procuradores deram prazo, nesta terça, para o presidente se manifestar. Temer teria até o dia 26 de fevereiro para decidir se aceitaria a recomendação de afastamento dos investigados. Se não aceitasse e surgissem novos indícios contra os investigados, Temer seria responsabilizado na Justiça.
A permanência dos executivos se tornou insustentável após um documento do Banco Central vir à tona no meio da tarde. Há uma semana, o diretor de Fiscalização do BC, Paulo Sérgio Neves de Souza, enviou um ofício à secretária do Tesouro, Ana Paula Vescovi, que também preside o Conselho de Administração da Caixa. No documento, ele disse que os órgãos de controle têm convicção de que a instituição passa por exposição a “riscos anormais” e recomendou o afastamento dos vice-presidentes investigados. E deu prazo de 30 dias para que a secretária respondesse sua recomendação. Ele também lembrou que executivos de bancos devem ser pessoas com reputações ilibadas, como prevê a legislação brasileira e o regulamento internacional de Basiléia.
Dada a manifestação do BC, o Palácio do Planalto teve de tomar uma posição. Decidiu soltar uma nota e informar que afastou os vice-presidentes. O comunicado publicado no início da noite foi corrigido meia hora depois, quando o Palácio do Planalto informou que afastara apenas quatro dos 12 executivos. Optou por escolher os investigados.
Foram afetados pela decisão Deusdina dos Reis Pereira (vice-presidente de Loterias), Roberto Derziê de Sant'Anna (vice-presidente de Governo), Antonio Carlos Ferreira (vice-presidente corporativo) e José Henrique Marques da Cruz (Clientes, Negócios e Transformação Digital). Teoricamente, o afastamento seria por 15 dias, para que eles se defendessem.
O presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, o presidente da Caixa, Gilberto Occhi, e o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, se reuniram para discutir o caso. Meirelles defendeu o posicionamento de Temer de afastar apenas os quatro recomendados pelo BC e não todos, como queria originalmente o MPF.
— Os vice-presidentes que estão envolvidos nas investigações ou acusações do MP foram esses que foram afastados. A medida do presidente foi tomada em caráter de urgência.
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