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Delegada destaca feitos e desafios dos 18 anos da Lei Maria da Penha

Por Portal Do Holanda

09/08/2024 9h45 — em
Amazonas



 

Por Ana Celia Ossame, especial para Portal do Holanda

 

 

"Os homens tinham medo de mim”. A frase, em tom de nostalgia e com sorrisos, é da delegada da Polícia Civil, Catarina Saldanha Torres, que foi titular da Delegacia Especializada em Proteção a Crimes Contra a Mulher (DEPCCM), por mais de 20 anos.

Catarina era destaque na Polícia Civil do Amazonas quando, no ano de 2006, foi promulgada a Lei n. 11.340, que se tornou conhecida como Lei Maria da Penha (LMP). A violência contra a mulher era combatida com brechas encontradas no Código Penal e com o esforço de delegadas e juízes que ousavam confrontar os agressores e assassinos, lembra ela.

Mas os desafios permanecem imensos nesses 18 anos da lei em vigor pelos elevados números da violência doméstica, tanto no Amazonas quanto nos demais estados do país, afirma Catarina, que foi a segunda titular da DEPCCM, auxiliar de Ruth Paes Barreto, a quem sucedeu como titular.

Hoje atuando na Delegacia Especializada em Ordem e Política Social (Deops), Catarina sorri quando lembra da fama de rigorosa com os agressores, que continua até hoje, mesmo depois de 16 anos afastada daquela especializada.

Ao comemorar o fortalecimento da Lei Maria Penha e de atos como a Lei de Medida Protetiva e as varas , ela conta como foi difícil atuar sem muitos recursos quando foram criadas as delegacias especializadas.

“A gente tinha que se impor. Os homens tinham medo de mim porque eu fazia eles pagarem pensão e sem agir com violência. Em cada profissão você tinha noção do que ganhavam e a maioria dos agressores era da construção civil e eu, como condição para não prender, determinava era que levassem na sexta-feira à tarde à delegacia os valores destinados ao alimento dos filhos. Muitos chegavam suados, apressados para levar o dinheiro”, conta ela”, que em entrevista ao Portal do Holanda falou sobre a importância da Lei Maria da Penha mesmo com um longo a seguir para mudar a educação patriarcal que sustenta ainda a educação familiar que estimula a violência dos homens.

Portal do HolandaComo a senhora que foi uma das primeiras titulares da Delegacia Especializada em Crimes contra a Mulher, vê a celebração dos 18 anos da Lei Maria da Penha?

Catarina Torres - Saí da Delegacia da Mulher há 16 anos e a notícia que temos de lá é que não mudou nada, que mais ocorrências são registradas a cada dia, que há mais condução de homens presos, mais mulheres violentadas. Isso nos deixa pensando que estamos enxugando gelo, pois mostra que eles não temem, mesmo com medidas protetivas, invadem as casas das mulheres, põem fogo nelas, agridem, enfim. Hoje, há ações do governo de proteger e coibir esses atos com a Ronda Maria da Penha, mas na época não tínhamos nada, agíamos com a intuição e o Código Penal.

PH- O que a senhora destaca dessa lei?

CT- A Lei visibilizou a violência, deu um sustentáculo para as mulheres e empoderou a justiça, priorizando questões como a criação das medidas protetivas de urgência, que naquela época não tinham, para garantir a segurança das mulheres em situação de violência doméstica e familiar. A lei determina o afastamento do agressor do lar, a proibição de se aproximar da vítima e de seus familiares. Naquela época minha alternativa era deixar o agressor no xadrez até que passasse o efeito do álcool e a mulher ficava em casa. Hoje, com a Medida Protetiva determinada pelo juiz, embora muitos deles não cumpram, há uma segurança maior para as mulheres.

PH- Que outras medidas importantes a senhora destaca da lei?

CT- A criação das Varas da Violência Doméstica é também importante, pois nelas são agilizados os julgamentos de casos com prioridade para determinar divórcios, dissolução de união estável, pensão alimentícia, que eles são obrigados a cumprir mesmo afastados do lar.

PH- Como a senhora agia naquela época para acolher as mulheres e as crianças?

CT- Na época, eu agia na marra para conseguir isso. Era muito por intuição, tinha que dar um jeito para defender as mulheres porque hoje, os próprios advogados estão mais conscientes, mas naquela época eles achavam que não era crime a agressão, diziam que era por conta de chifre e que o homem tinham que “lavar a honra”, argumento que desde 2023 foi considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF), fazendo cair por terra toda a história que tornava a mulher insignificante, a mercê de qualquer tipo de violência do homem. Hoje ela é considerada cidadã, com direitos a ser respeitados e para reerguer a mulher tem programas nos quais elas são inseridas como Bolsa Família, doação de casas que feitas no nome dela e a justiça pode colocar o homem em programas de socialização para que conscientizá-los de que não é dono da mulher e não pode agredi-las.

PH- Como houve a criação dos abrigos para as mulheres?

CT- No começo na delegacia, quando elas chegavam com os filhos machucadas e com fome, a gente na delegacia fazia cota para comprar alimentos, roupas e outros objetos. Essa situação chegou aos ouvidos da dona Maryse Mendes, irmã do então governador Amazonino Mendes, que era secretária de ação social e depois de um encontro nosso, ela fez um abrigo provisório onde ficavam as vítimas enquanto a justiça não definia a situação dos agressores. Esse foi o embrião do abrigo que hoje é essencial. Na época, as pessoas doavam fraldas, roupinhas e roupas para mulher que eram doadas às vítimas.

PH- As mulheres comandam mais de 40% dos lares brasileiros e ainda assim não se vê diminuir os índices de violência doméstica. Há um fator de educação importante a ser analisado?

CT- A mulher é quem comanda os lares, logo, são elas que, por conta da educação patriarcal, agem assim. Por isso é necessário mudar a mentalidade ainda existente na família de que o menino pode tudo e a menina não pode nada. O menino pode bater na irmã porque ele é homem, isso tem que acabar  na família, tem que mudar para que se reflita na sociedade.

PH- Os homens tinham medo da senhora, que também por outro lado reconheciam quando mudavam o comportamento após passarem pela delegacia?

CT- Sim, muitos homens tinham medo, mas por incrível que pareça e seja difícil de acreditar, muitos que passaram pela delegacia da mulher hoje me cumprimentam e me elogiam pela conscientização de que estavam errados. Até hoje recebo informações tanto das mulheres agradecidas quanto dos homens que querem demonstrar que mudaram, alguns que foram direcionados aos Alcoólicos Anônimos (AA) e conseguiram vencer o vício e ser gente. Sei que muitos não gostam de mim, tem alguns que não, mas maioria se conscientiza, gosta, reconhece e elogia até hoje meu trabalho e incentiva dizendo que a dra Catarina ainda está aí. Eu dizia para eles que podiam se recuperar, ser gente de novo...
Fotografia: Portal do Holanda


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O Portal do Holanda foi fundado em 14 de novembro de 2005. Primeiramente com uma coluna, que levou o nome de seu fundador, o jornalista Raimundo de Holanda. Depois passou para Blog do Holanda e por último Portal do Holanda. Foi um dos primeiros sítios de internet no Estado do Amazonas. É auditado pelo IVC e ComScore.

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