Pesquisa brasileira com antas albinas ganha repercussão internacional
A divulgação internacional da descoberta das antas albinas do Legado das Águas, maior reserva privada de Mata Atlântica do país, é um marco na conservação dessa espécie, a Tapirus terrestris, ameaçada de extinção. Do ponto de vista científico, a pesquisa liderada pelo Instituto Manacá, é uma oportunidade única para estudar questões genéticas, ecológicas e comportamentais associadas ao albinismo e sua importância para a população da espécie. Em relação à conservação, as descobertas reafirmam a relevância da Reserva como área protegida de Mata Atlântica e da biodiversidade brasileira. O ineditismo, a relevância da pesquisa e o método aplicado foram fatores decisivos para a publicação ser aceita na revista científica americana Mammalia, em junho.
Para David Canassa, diretor da Reservas Votorantim, a divulgação é um forte argumento para ampliar a agenda de pesquisa e conservação de áreas naturais. "Resultados como esse, colocam em evidência não só o Legado das Águas, mas toda a região onde a Reserva está inserida, ou seja, um dos remanescentes mais importantes de Mata Atlântica do Brasil, próximo aos parques estaduais do Jurupará, Carlos Botelho e Serra do Mar. Uma região onde as oportunidades existem justamente por causa de sua conservação", conta o diretor.
Canassa complementa explicando que a lógica é que descobertas relevantes de fauna e flora se tornam fortes atrativos de interesse no Vale do Ribeira, estimulando o desenvolvimento do ecoturismo, ferramenta eficiente para gestão de territórios, pois permite que atividades econômicas sejam aliadas à conservação. "Após o registro das antas albinas no Legado, por exemplo, recebemos turistas que foram motivados pela existência desses animais e vieram conhecer a "casa" deles. Quem não conhecia, se encanta e quer voltar para tentar ver as antas albinas, que carinhosamente chamamos de Gasparzinho e Canjica. A pesquisa científica catalisa oportunidades. Estamos muito felizes com essa divulgação. Ela reflete o trabalho coletivo em prol da conservação desse bioma", comemora David.
Contribuição científica e social
Até ser publicado, em junho, na revista científica americana Mammalia, o artigo passou por um rigoroso processo de avaliação. Dentre os principais critérios, estavam o ineditismo, a relevância da pesquisa e o método aplicado. De acordo com Mariana Landis, bióloga pesquisadora do Instituto Manacá, responsável pelo estudo com as antas no Legado das Águas, são justamente esses os pontos fortes da descoberta. "Os dois machos albinos do Legado são, possivelmente, as duas únicas antas albinas que habitam o mesmo local e, somado a isso, a descoberta só foi possível por meio da cooperação entre dois programas de conservação, que utilizam a fotografia como instrumento de estudo", diz a bióloga.
Mariana se refere a dois projetos desenvolvidos no Legado das Águas: o Floresta Viva, criação do fotógrafo Luciano Candisani, e o Projeto Anta, monitoramento da espécie realizado pelo Instituto Manacá. O primeiro trata-se de um método pioneiro, um estúdio fotográfico camuflado instalado na floresta e equipado com flashs e câmeras profissionais que fotografam automaticamente o animal quando passa pelos sensores que acionam os disparos, gerando imagens coloridas e em alta resolução, independente do horário do dia. As câmeras são instaladas em locais estratégicos, indicados pelos pesquisadores e técnicos de campo da Reserva.
As fotos coloridas do estúdio camuflado ajudaram a confirmar que se tratavam de dois animais albinos, que só haviam sido registrados à noite e em preto e branco pelas câmeras infravermelhas para monitoramento de antas do Instituto Manacá. "O comportamento das antas é noturno, então todos os registros eram nesse período, não sendo possível identificar se era um animal albino ou não. Se não fossem as fotografias coloridas, a descoberta teria levado muito mais tempo, ou talvez, nem tivesse acontecido. O monitoramento da fauna em florestas tropicais é um desafio para ciência, e pelo que se tem conhecimento, esse é um dos resultados científicos mais relevantes utilizando a fotografia profissional como ferramenta. Isso mostra o potencial da junção desses dois métodos, e que agora podem ser replicados em outras pesquisas", acrescenta Mariana.
Sobre a contribuição científica da descoberta, a pesquisadora diz que o estudo continuado pode ter respostas cruciais para a conservação dessa espécie de antas. "O albinismo é uma condição raríssima na natureza. Ter dois indivíduos albinos no mesmo lugar é algo extraordinário, jamais visto. Isso nos instiga a muitas perguntas, e as respostas podem significar informações extremamente relevantes para conservação da espécie, principalmente no quesito genético, ecológico e comportamental", diz Mariana.
O artigo divulgado na revista Mammalia aborda a descoberta das antas albinas, que aconteceu durante o trabalho de monitoramento da população da espécie Tapirus terretris no Legado das Águas, de 2014 a 2018. É uma construção conjunta entre o Legado das Águas e os biólogos Mariana Bueno Landis, Letícia Prado Munhoes, João Carlos Zecchini Gebin, Frineia Rezende, Patrícia Médici e Katia Maria Paschoaletto Micchi de Barros Ferraz, do fotógrafo Luciano Candisani e do técnico de campo do Legado das Águas, Miguel Martins Flores de Jesus.
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