Como Carabao virou uma das maiores aparelhagens do Pará em apenas dois anos
BELÉM, PA (FOLHAPRESS) - O relógio já passava das 3h da manhã quando as caixas de som acopladas numa estrutura gigante em formato de búfalo entoaram "Minha Presa", uma música de Zezé di Camargo antes de se juntar ao irmão Luciano. A faixa não tocou como ela veio ao mundo, mas com batida de brega paraense e embebido em graves do tipo estoura peito.
Foi um momento típico da aparelhagem Carabao, uma das atrações do festival Psica, que aconteceu de 13 a 15 de dezembro em Belém. O grupo de DJs levou a estrutura móvel de búfalo, com arquitetura que imita chifres nas laterais do palco, para dentro do estádio Mangueirão.
O Carabao surgiu há apenas dois anos, mas já se tornou uma das maiores aparelhagens do Pará. Além de um momento de rock doido, vertente mais atual, dançante e acelerada do tecnobrega, ela se destaca por ter um repertório com músicas que batem fundo na alma.
Isso significa um resgate de sucesso românticos -internacionais, nacionais ou versões em português de músicas estrangeiras. Não são apenas hits antigos, mas também sofrências atuais do sertanejo, forró, brega e arrocha.
É mais ou menos o que os paraenses chamam de bregas "saudade" e "marcantes". "Saudade é um ritmo que tu dança bem agarradinho", diz Tom Máximo, principal de DJ e criador da aparelhagem, horas antes de subir no palco. "Já marcante é mais solto, a menina rodando, tu puxa ela pra cá, vai pra lá."
Definir os estilos musicais não por sonoridade, mas pela maneira que se dança, diz muito sobre como a música é feita e consumida em Belém. Mais ainda no caso de uma aparelhagem, que têm a função de animar uma festa --no caso do Psica, elas fecharam a programação em todos os dias de festival.
Mas Tom dá exemplos de músicas de cada um desses ritmos. "Minha Presa", de Zezé di Camargo, é uma das faixas do tipo "saudade". Já "Foi no Teu Olhar", um tecnobrega da banda paraense AR-15, pode ser definida como "marcante". Os nomes também ajudam a entender -"saudade" compreende canções mais antigas, e "marcantes" são mais novas.
O diferencial do Carabao, diz Tom Máximo, foi juntar numa mesma aparelhagem esses dois estilos. Ele passou 28 anos tocando num projeto chamado Carroça da Saudade, e depois outros quatro em carreira solo. Testou a nova proposta num evento chamado Baile do Alô antes de levá-la ao Carabao.
"Tinha aparelhagens que tocava só 'saudade', e bem pouquinho 'marcante'. Eu uni as duas coisas. Os novos curtem uma marcante e depois esperam os mais antigos curtir um baile e fica assim -bom para os novos e para os antigos", ele explica.
Nessa proposta, há um olhar especial para relíquias que fazem parte da trilha sonora das ruas de Belém. São músicas essenciais da tradição do brega nortista, ligadas à jovem guarda a influências latinas, das décadas de 1970 e 1980, como "Ao Pôr do Sol", de Teddy Max, e "Minha Amiga", de Mauro Cotta.
Elas entram num caldo que passa indiscriminadamente por "Anna Júlia", do Los Hermanos, "Pagode Russo", de Luiz Gonzaga, "Cavalo Manco", da banda Calypso, e "Recife", de Reginaldo Rossi. Também inclui sucessos radiofônicos vindos de fora, como "I'm Yours", de Jason Mraz.
Quase nada é tocado do jeito que foi lançando. "Think Twice", de Céline Dion, ganhou um tratamento de reggae, enquanto outra parte do repertório surgiu mais acelerado e com batidas de tecnobrega.
Liderado por Tom Máximo, o Carabao tem outros três DJs, que funcionam quase como uma banda e se revezam no comando das picapes. No Psica, eles pareciam uma versão caipira e amazônica do Kraftwerk -quatro homens com chapéu de boiadeiro em cima de um búfalo tecnológico comandando a multidão.
Eles se apresentam sobre o animal -Carabao é uma espécie de búfalo- que é um símbolo da ilha do Marajó, no Pará. É daí que vem uma das vinhetas da equipe -"o furioso do Marajó". A estrutura no palco treme conforme a música e solta fumaça como se o bicho estivesse enfurecido com o som.
Se parte dessa abordagem de som e visual também é aplicada por outras aparelhagens, a ascensão veloz do Carabao passa pelas redes sociais. Graças a um vídeo em que um influenecer pergunta ao filho se "é Carabao ou cara mau?", ao que ele responde, "é Carabao, o cara mau levou a mamãe". O áudio viralizou e gerou outros vídeos com essa temática do corno no TikTok.
Tom Máximo também faz provocações sobre relacionamentos em cima do palco. Ele costuma tocar "Nem Perdeu", sertanejo de Matheus e Kauan -que no Psica surgiu sob um filtro de dub- enquanto brinca com as mulheres da plateia e a letra da música, sobre o alívio pelo fim de um relacionamento sufocante.
Mas, para o DJ, a explicação do sucesso é menos mundana. "Muita fé e acreditar em Jesus Cristo, em Deus", afirma.
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