Cultura em 2025 deve seguir em atrito com o governo e buscar formas de renovação
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Embora os últimos 12 meses tenham consolidado a retomada de alguns setores, o ano de 2025 começa à sombra de atritos entre o governo e a cultura e deve por à prova uma série de tentativas de renovação na área.
Na televisão brasileira, emissoras tiveram de se remanejar diante de perdas notáveis. O SBT se prepara para o seu primeiro ano sem Silvio Santos, morto em agosto. Frente às câmeras, Patrícia Abravanel deve garantir um protagonismo maior no canal, enquanto sua irmã Daniela Beyruti continua a presidência que assumiu após a morte do pai.
A executiva deve viver uma prova de fogo após demitir Raul Gil, um dos apresentadores mais importantes do país, e dar um programa de duas horas a Virginia Fonseca, influenciadora digital que nunca havia comandado um palco de TV.
As ações de Beyruti sintetizam um SBT em drástica mudança. O canal ainda perdeu, em 2024, um dos seus maiores símbolos, a apresentadora Eliana, que decidiu ir para a Globo.
O ano que vem deve ser decisivo para ela, que até agora fez pouco na casa nova, tendo apresentado um capítulo de Natal do reality The Masked Singer e um programa de vendas da Black Friday. A Globo também vai viver um teste com seu próximo BBB, o primeiro sem comando de Boninho -que está de contrato assinado com o SBT, diz-se nos bastidores.
Outra provação será o remake da novela "Vale Tudo", que terá a tarefa complicada de agradar os fãs saudosistas e os desastrosos níveis de audiência atingidos por "Mania de Você;", folhetim das nove de João Emanuel Carneiro que desapontou público e emissora.
Enquanto isso, o ano pode reservar novos capítulos do imbróglio vivido pela TV Cultura, que testemunhou duros cortes de orçamento impostos pelo governo de Tarcísio de Freitas (Republicanos) sobre a sua gestora, a Fundação Padre Anchieta.
No streaming, as apostas são mais seguras. A Netflix, por exemplo, deve voltar com sua megapopular "Wandinha" e a temporada final de "Stranger Things", série mais esperada do ano. A HBO, por sua vez, começa o ano com o sucesso "The White Lotus" e segue com nova temporada de "The Last Of Us".
O cinema deve apostar ainda mais em sequências e remakes ao longo do ano que vem. A Disney fará novos "Branca de Neve", "Lilo & Stitch", "Quarteto Fantástico" e "Capitão América".
No Brasil, o sucesso de "Ainda Estou Aqui" e o aparente entusiasmo com "O Auto da Compadecida 2" podem recuperar a valorização do público pelo cinema nacional ou comprovar casos isolados.
O cinema brasileiro também será demarcado por uma série de debates. Embora seja o momento de averiguar o desempenho da Cota de Tela -regulamentada para 2025 no final de dezembro-, o assunto principal será a regulamentação dos streamings.
A insatisfação também contempla outras áreas, e a pressão deve aumentar sobre o Ministério da Cultura quando as mudanças na Lei Aldir Blanc, que altera o repasse de um montante fundamental para estados e municípios, mostrarem efeitos.
Outra celeuma, em São Paulo, vem do encerramento das Oficinas Culturais pela Secretaria de Cultura, que afeta universos artísticos que vão do teatro às artes plásticas.
Esta última área reserva a Bienal de São Paulo como grande destaque, que remete à poesia de Conceição Evaristo com o tema "Nem Todo Viandante Anda Estradas - Da Humanidade como Prática" e reforça a atenção cada vez maior à diversidade.
O camaronês Bonaventure Ndikung, diretor da Haus der Kulturen der Welt, em Berlim, na Alemanha, atua como curador-chefe. A edição de 2025 acontece a partir de setembro, e a curadoria se divide entre obras de artistas negros e indígenas e discussões sobre o Oriente Médio e heranças coloniais, por exemplo.
O Masp se destaca pela abertura de seu novo edifício ao público em março, onde estão previstas exposições de acervo. No edifício original, o mês ainda inaugura uma mostra do pintor impressionista Claude Monet, que segue o ciclo curatorial do museu para 2025, "Histórias da Ecologia".
Adiada pela catástrofe climática do Rio Grande do Sul, a 14ª Bienal do Mercosul acontece em março em Porto Alegre. O carioca Raphael Fonseca, integrante da equipe de curadores do Denver Art Museum, nos Estados Unidos, lidera a exposição sob o tema "Estalo", que discute a iminência de grandes tragédias.
Na ausência da Bienal de Veneza --que retorna em 2026 sob a curadoria de Koyo Kouoh, primeira africana a exercer o título-- o calendário também traz a Bienal de Arquitetura de São Paulo e de Veneza, a Bienal de Charjah, nos Emirados Árabes Unidos, e a Bienal de Istambul, na Turquia.
Já na esfera musical, há expectativa para a confirmação de um show da cantora Lady Gaga no Rio de Janeiro, aos moldes do que fez Madonna, em maio, na praia de Copacabana.
Outros destaques se dividem entre novas edições de festivais como o Lollapalooza, com nomes internacionais como Olivia Rodrigo e Justin Timberlake, e o The Town, com a banda Green Day e a cantora Katy Perry.
Entre os principais artistas, o calendário também prevê shows de Shakira, que se apresenta no Rio de Janeiro e em São Paulo, em fevereiro, e a última turnê do veterano da MPB Gilberto Gil, que começa em Salvador no mês de março.
No pop, o sucesso de "Brat", álbum da britânica Charli XCX, pode abrir o gênero a novas ideias. Mas o clima também é de pessimismo, e faltam turnês super produzidas como a de Taylor Swift, finalizada ano passado. Festivais como o Primavera Sound, que cancelou a sua edição do ano passado, também seguem sem novidades, e os preços devem subir no geral.
Nas artes cênicas, a 10ª Mostra Internacional de Teatro de São Paulo está programada para março. Outro destaque é o Teatro Cultura Artística, reaberto em 2024, que deve permanecer no centro da música clássica em São Paulo.
No Theatro Municipal de São Paulo, as obras que chamam mais atenção são a reestreia de "O Guarani", de Carlos Gomes "Don Giovanni", de Mozart, "Macbeth", de Giuseppe Verdi e a ópera-balé "Les Indes Galantes", de Jean-Philipe Rameau.
Na Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo, o maestro suíço Thierry Fischer dedicará atenção especial a Tchaikóvski. A Osesp ainda destacará regentes mulheres e um conjunto de obras de compositoras femininas no repertório dessa temporada, que busca uma maior diversidade sonora.
O mercado editorial, por sua vez, promete uma agenda movimentada. A definição do Rio de Janeiro enquanto capital mundial do livro em 2025, pela Unesco, deve corroborar com a Bienal do Livro, que acontece na cidade em junho. O evento deve conflitar com a Feira do Livro, que acontece anualmente em São Paulo
Entre outras tendências, a moda da "cozy literature", com títulos aconchegantes para o público angustiado, e a "romantasia", que traz elementos fantásticos para os romances voltados ao público jovem, devem permanecer.
Entre títulos específicos, se destacam a nova obra de Lázaro Ramos, continuação de seu sucesso "Na Minha Pele", o primeiro romance em uma década da nigeriana Chimamanda Adichie, "A Contagem dos Sonhos", e o novo romance da vencedora do Nobel de Literatura em 2024, Han Kang.
ASSUNTOS: Arte e Cultura