Diretor narra bastidores da Record e da criação da CNN Brasil e do CNBC
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Um boato nos corredores da TV Record dava conta de que Douglas Tavolaro, quando assumiu a direção de jornalismo da emissora, mentia a idade para cima. Ele tinha apenas 26 anos naquela época, e queria conquistar o respeito de uma equipe cheia de profissionais veteranos e consagrados, entre eles o âncora Boris Casoy.
Hoje, duas décadas depois, o jornalista ri da história e diz que não era exatamente um boato. Com a calvície precoce, conta ele, dava para jogar até uns dez anos para cima.
Ele agora diz, com orgulho, que, com apenas 46 anos, já fundou, no Brasil, dois canais de notícias com marcas internacionais. Após lançar a CNN Brasil, em 2020, prepara-se para colocar no ar, no próximo mês, o Times CNBC, versão brasileira do canal dos EUA que é líder global em jornalismo de negócios. Para ambos, buscou investidores e entrou como sócio, minoritário na CNN e agora majoritário no CNBC.
A narrativa de "self made man", gente que faz, perpassa o livro de Tavolaro que chega nesta quinta (10) às livrarias, "Breaking News - Os Bastidores da Fundação de Duas Marcas Históricas do Jornalismo Mundial no Brasil" (ed. Gente; 208 págs; R$ 69,90).
Paulistano de uma família de classe média do Tatuapé, estudou em escolas públicas. Cursou jornalismo na Cásper Líbero e iniciou a carreira como estagiário do Diário Popular. Foi repórter da revista IstoÉ, época em que acabou se tornando refém de presos em uma rebelião no Carandiru. Estava lá para fazer uma matéria, que virou um relato em primeira pessoa com destaque, o que chama de "misto de sorte e azar".
Em 2003, lançou seu primeiro livro, indicado ao prêmio Jabuti, "A Casa do Delírio" (ed. Senac), com histórias do Manicômio Judiciário de Franco da Rocha. Na fase em que era diretor da Record, assinou, como coautor, dois fenômenos de venda e de polêmicas, as biografias da modelo Andressa Urach e do bispo Edir Macedo.
Trocou a IstoÉ pela Record em 2002, para trabalhar no núcleo de reportagens investigativas da emissora. Assumiu interinamente a direção de jornalismo em 2004, aos 26, e dez meses depois, com 27, foi efetivado no cargo.
Além da pouca idade, pairava sobre ele o boato de que seria sobrinho de Edir Macedo, dono da Record. A história persistiu até quando pediu demissão da Record para fundar a CNN Brasil, a ponto de registrar em cartório uma "declaração de ausência de parentesco", "consanguíneo ou por afinidade" com Macedo.
Em "Breaking News", fala da relação com o bispo, "construída com vários anos de sinergia". Trocavam mensagens praticamente todos os dias e ligações telefônicas semanais. Em 2017, o bispo realizou a cerimônia de seu segundo casamento.
Na semana do Natal de 2018, viajou a Lisboa para se encontrar com Macedo e pedir demissão, já com a papelada pronta para a criação da CNN Brasil. A conversa foi amigável, mas a relação se complicou quando Tavolaro contratou, para ser apresentador da CNN Brasil, Reinaldo Gottino, que era da Record. A emissora respondeu com reportagens contra a construtora MRV, de Rubens Menin, sócio da CNN Brasil. No livro, ele diz acreditar que o bispo "pode ter se chateado" com as contratações que a CNN Brasil fez de profissionais da Record.
Algumas histórias de bastidores são curiosas, como o fato de o "Jornal da Record", na época de Casoy, ser uma "ilha" separada do restante do jornalismo da emissora, não comandada pela direção. Logo que começou, Tavolaro foi expulso aos gritos, por um produtor, do estúdio do "Passando a Limpo", apresentado por Casoy.
Narra a dificuldade de relação, no início, com Marcelo Rezende. Então apresentador do "Cidade Alerta", Rezende chegou a dar dois murros na mesa de Tavolaro, que havia feito mudanças no horário do programa. Depois se tornaram amigos.
Tavolaro exalta o crescimento do jornalismo da Record sob seu comando, citando uma série de coberturas, especialmente as extensas, ao vivo. Não há traços de reflexão ou autocrítica nem quando menciona a cobertura do sequestro da garota Eloá Cristina, mantida como refém pelo ex-namorado por cinco dias, em 2008, sob os holofotes sensacionalistas das TVs. Ao final, ela acabou assassinada, um desfecho que, para especialistas, pode ter sido influenciado pela cobertura das TVs.
À reportagem, diz que, de fato, poderia ter sido mais reflexivo e que o exemplo do caso Eloá "foi inadequado". "Meu objetivo foi centrar na construção da CNN Brasil e do Time CNBC, mas poderia ter falado sobre o desafio que é, para as TVs mais populares, manter um equilíbrio entre a busca por audiência e o jornalismo de qualidade."
A narração sobre o surgimento dos dois canais no Brasil se soma à da construção que Tavolaro faz da própria imagem, de alguém ousado e destemido, que elaborou os projetos em arquivos de Power Point e foi atrás dos donos das marcas, nos EUA, sem falar inglês fluente (nas reuniões, ele tinha intérprete), e angariou investidores.
Passa superficialmente pelo controverso episódio de sua saída da CNN, um ano após o lançamento -diz estar impedido contratualmente de falar sobre isso. Entre as versões, estão a de que ele e o sócio se desentenderam por questões financeiras e políticas.
Em pleno governo Bolsonaro sob pandemia, a CNN Brasil estreava sob a desconfiança de uma cobertura mais bolsonarista, o que Tavolaro nega, no livro e à reportagem: "Tentei equilibrar a cobertura, entre erros e acertos. Não há um termômetro técnico para avaliar isso, mas havia uma tentativa verdadeira de manter a imparcialidade."
Ele vendeu seus 35% das ações da CNN Brasil para Menin, e está usando parte desse dinheiro para estruturar o CNBC. Terá 85% do novo canal, e os 15% restantes serão do fundo de investimento inglês Attention Economics. Nos últimos dias, tem divulgado contratações para o canal, como Christiane Pelajo, Fabio Turci e Zeca Camargo. Além de notícias de economia, haverá programas que misturam entretenimento e negócios.
Na entrevista à reportagem, Tavolaro mencionou a capa do livro, em que está com um boné preto. Disse que a reportagem poderia contar que, quando a foto foi tirada, ele havia acabado de fazer um implante capilar. Ele agora pode até parecer mais novo.
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