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Filme 'Quando Chega o Outono' exagera a dose de água com açúcar

Por Folha de São Paulo

27/03/2025 9h30 — em
Arte e Cultura


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FOLHAPRESS - Em outros tempos, chamava-se de "água com açúcar" o filme inofensivo como o remédio que se dava às crianças quando ficavam nervosas. É mais ou menos isso que se pode esperar de "Quando Chega o Outono", o novo filme de François Ozon.

Tudo começa com a idílica visão da vida em uma pequena comuna francesa, onde vive a aposentada Michelle, papel de Hélène Vincent. A palavra "Outono" designa aqui muito mais o ocaso da vida do que uma estação do ano.

Em todo caso, nem tudo são flores na vida de Michelle: de um lado, as brigas com Valérie, personagem de Ludivine Sagnier, a filha que vive em Paris, são constantes e a afastam do neto, a quem adora. De outro, sua grande amiga Marie-Claude preocupa-se com o filho, Vincent, interpretado por Pierre Lottin, que acaba de sair da prisão.

O que ele fez para ser preso? Coisas de juventude, é o que se diz. Ou seja, nada que deponha contra o caráter do rapaz. Sempre fica uma dúvida. E o filme se esforça para deixar dúvidas na cabeça do espectador: o que ele fará em suas escapadas, quando diz que vai "encontrar os amigos". Marie-Claude se angustia com essas escapadelas. Já Michelle confia nele sem ambiguidade.

Tudo isso, mais a rejeição de Michelle pela filha nos levarão a um drama duplo, um de natureza policial e outro existencial. O primeiro diz respeito à morte de Valérie, que, como é suspeito, pode ter sido causada por Vincent. O segundo é que as brigas de Michelle com Valérie revelam que a mãe foi prostituta no passado (assim como Marie-Claude).

O ponto aqui é: por que a sociedade exclui para sempre, e tão fortemente, as mulheres que em algum momento se prostituíram? Elas podem ser boas cidadãs e boas pessoas. Meio óbvio, mas faz sentido. Afinal, essa exclusão afetará os descendentes dessas mulheres. É a razão dos problemas de Valérie com a mãe. Talvez a razão de Vincent ter sido preso. Etc.

O melhor do filme continua sendo o início: a vida de uma senhora idosa numa comuna do interior da França, cercada pela natureza, pela amizade com Marie-Claude (mais tarde estranharemos essa amizade tão profunda e única; perceberemos que nisso existe uma exclusão com o passar do tempo). Mesmo a prisão de Vincent é amenizada pela paisagem.

Durante a evolução, só restam mesmo os conflitos de Michelle com Valérie. É o ponto fraco do filme. Mas mães e filhas sempre têm problemas, afinal. O mais grave deles é que Michelle adora o neto, e Valérie não aprecia essa proximidade. É o ponto mais fraco do filme.

A intriga policial que vem a seguir anima novamente as coisas. Seria Vincent culpado pela morte de Valérie? Sendo que ele já tem ficha policial, isso complicaria muito as coisas. Tudo isso desembocará num final onde o amargo e o doce se sucedem e, por vezes, se confundem.

O problema da trama em "Quando Chega o Outono" é, em grande medida, que o narrador (Ozon, no caso) abre uma parte dos acontecimentos, mas retém outras para si apenas para lançá-las no momento certo (exemplo: a profissão de Michelle e Marie-Claude, assim como as atividades furtivas de Vincent). As personalidades existem para satisfazer às necessidades da trama, e não o inverso.

Essa fragilidade incômoda afeta todo o conjunto e de todo modo induz a trama a evoluir para o água com açúcar, ou seja, para o drama sem drama. Resta a criação da simpatia que sentimos pelos personagens e pelo que imaginamos ser uma vida rural sem contradições (ou seja, nada de "Twin Peaks"). Nesse ambiente saudável queremos que todos sejam muito felizes.

E que o filme de Ozon agrade ao público a que se endereça, os espectadores de terceira idade, pois afinal é um filme simpático, inofensivo (ou "água com açúcar") e "bem feito", como se diz. Mas é isso, por aí ficamos.

QUANDO CHEGA O OUTONO

- Avaliação Regular

- Quando Em cartaz nos cinemas

- Classificação 14 anos

- Elenco Hélène Vincent, Ludivine Sagnier e Josiane Balasko

- Produção França, 2024

- Direção François Ozon


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