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François Ozon revê suas obsessões, como a morte e a religião, em novo longa

Por Folha de São Paulo

27/03/2025 9h45 — em
Arte e Cultura


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SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - De vez em quando, tudo o que a gente precisa é ver um filme de François Ozon. Rodando um longa por ano, o diretor francês espalha a sua obra por todas as telas, agradando, ao mesmo tempo, os programadores da Air France e os festivais de cinema independente.

Em "Quando Chega o Outono", em cartaz no Brasil, ele mira o thriller, esbarra no drama e revolve antigas obsessões: a mulher, o sexo, a religião e a morte. É bem provável que, daqui a alguns anos, seu novo filme seja exibido, no último horário, pela TF1, o maior canal de TV da França, e entretenha o cidadão médio. Para os estrangeiros, a filmografia de Ozon também serve como refúgio poético, com romances tórridos em plena Côte d’Azur, a Rivera Francesa.

Mas o cenário da vez é a Borgonha, que tem florestas lúgubres e as rochas com limo. Quase não faz sol no vilarejo do centro-leste francês, onde mora Michelle, a idosa interpretada por Hélène Vincent. Ozon quer mostrar o outono da vida. "Ela sabe que não tem mais muitos anos pela frente", diz o diretor, de 57 anos, numa entrevista por videoconferência. "Tentei mostrar que ela é feliz em seu cotidiano. A vida pode ser calma quando, por exemplo, ela passeia na floresta."

Assim como a luz da meia estação, os personagens de "Quando Chega o Outono" não se definem por inteiro. Michelle colhe cogumelos e cozinha uma sopa para a sua filha, Valérie, papel de Ludivine Sagnier, que passa mal e vai parar no hospital. O episódio é suficiente para Valérie brigar com a mãe e proibir que ela tenha contato com o neto, Lucas, interpretado por Garlan Erlos.

Michelle só não é solitária porque sempre visita Marie-Claude, a sua melhor amiga, interpretada por Josiane Balasko. O suspense se instaura de vez quando o filho de Marie-Claude, Vincent, personagem de Pierre Lotin, deixa a prisão. Sem emprego, o rapaz misterioso é convidado por Michelle a trabalhar em sua casa, onde exerce tarefas domésticas.

Em certa medida, "Quando Chega o Outono" reúne temas que mobilizam Ozon há décadas. Em primeiro lugar, o filme tem, em primeiro plano, personagens femininas. Decerto, o cineasta lançou um olhar erótico para a atriz Marine Vacth, que encarnou a "femme fatale" de "Jovem e Bela", de 2013.

Uma década antes, porém, Ozon mostrara que sua representação da mulher poderia ir além do ponto de vista masculino. Em "Swimming Pool", ele abordou a sexualidade entre mulheres mais velhas, quando o assunto nem era debatido pelos meios de comunicação. O desejo feminino se afirmava, nas telas, como uma força soberana e independente.

Nesse novo filme, uma das melhores cenas ocorre na dança entre Michelle, a mulher madura, e Vincent, o homem mais novo. O erotismo é, ali, apenas delicada sugestão.

"Acho apaixonante explorar as personagens femininas, porque elas nascem em contextos patriarcais e devem lutar para existir", afirma Ozon. "No cinema, em geral, os homens dominam a ação, enquanto as mulheres ficam com o pensamento."

Também é notável que o autor de "Graças a Deus" tenha iniciado o novo longa no interior de uma catedral gótica. Ele conta ter apreciado as aulas de catecismo na escola, embora tenha deixado de praticar o catolicismo logo na adolescência. Nesse ambiente grave, o espectador sente o peso da Igreja Católica, como "souvenir" de um mundo que não existe mais. "Entendi que havia uma grande hipocrisia na religião católica, que tinha palavras muito bonitas, com ações contraditórias."

Ozon olha para a história do cinema francês de um lugar privilegiado. A produção contemporânea aponta, afinal, para a coexistência de diferentes tendências estéticas. O cineasta afirma, de todo modo, recuperar a tradição do realismo poético, de Julien Duvivier e Claude Autant-Lara, atacada pela nouvelle vague.

Segundo o cineasta, o movimento de renovação do cinema francês se inseriu num contexto político, em que era preciso destruir todo o passado. Em "Quando Chega o Outono", Ozon reafirma outra tendência sua, agora relacionada ao roteiro. Ele mostra ter um gosto pela tragédia. "Todos os filmes que você citou falam da morte. Busco um efeito de catarse, para liberar meu próprio sofrimento."


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