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Ideia de Ocidente começa com chilique masculino, diz Ligia Gonçalves Diniz na Flip

Por Folha de São Paulo

12/10/2024 14h45 — em
Arte e Cultura



PARATY, RJ (FOLHAPRESS) - A "Ilíada" de Homero inicia "com uma sequência de homens sendo humilhados e dando chilique", diz a escritora e crítica literária Ligia Gonçalves Diniz.

Daria para resumir assim: "Os gregos estão em Troia e sequestram a filha de um sacerdote, Apolo fica puto e começa a dificultar a vida deles, manda uma praga". Ah: ainda tem o guerreiro Aquiles chorando e pedindo ajuda da mãe nos poemas épicos que ajudam a moldar o pensamento ocidental.

Ok que a mãe dele era uma deusa, Tétis, e que a história é complexa, mas você entendeu o ponto? Por muito tempo, coube aos homens monopolizar a literatura considerada digna de nota, o que influenciou o modo como eles são vistos, seres a quem acessos de fúria são vistos como prova de virilidade, e também a imagem da mulher como coadjuvante frágil.

Uma imagem descosturada por Diniz e a mexicana Jazmina Barrera, que dividiram a mesa "A Eterna Guerra dos Sexos" neste sábado (12), na Flip.

Barrera escreveu um ensaio sobre o filho que tem com o também escritor Alejandro Zambra, "Linea Nigra", e agora lança "Caderno de Faróis", ambos pela Moinhos.

Ela disse estranhar o homem que chega para contar que gostou muito do livro, "apesar de não ser mulher". "Nunca teria a ideia de me aproximar de um homem que escreveu sobre a guerra e dizer algo assim." Assim como mulheres nunca diriam "gostei muito do seu livro, apesar de não ser mãe", afirmou.

Ela lembrou que "a maternidade foi representada por muito tempo, por homens, como algo unívoco". Como se virar mãe significasse "se converter em mulher, chegar ao seu destino". Aquela balela de que "com o seu filho você era a pessoa mais feliz do mundo", logo "as mães deveriam estar felizes o tempo todo".

"Vemos maternidades dolorosas de mães assassinas, mães que se arrependem", então não tem por que sustentar uma ideia de maternidade universal. "Não matei meu filho e amo meu marido. Tenho a sorte de ter uma rede de apoio na família", disse.

"Tenho uma maternidade mais ou menos convencional e mais ou menos feliz. Mas a ambivalência permanente na maternidade me interessa muito." Não tem problema em amar seu filho e ao mesmo tempo querer dormir um pouco mais nas manhãs, disse.

Barrera apontou que os romances caudalosos são quase sempre escritos por homens. "Quem tem tempo de escrever?", questionou. Certamente não as mulheres, em geral relegadas ao cuidado da família.

Diniz contou que, lendo o livro da mexicana, se tocou que "nunca tinha parado para pensar em maternidade, gestação, parto, puerpério, como uma aventura, e você apresenta como isso". Uma ficha caiu. "Pra mim, aventuras sempre foram masculinas. Ir embora, desbravar mundos, ir pra guerra."

De repente, tivesse ela lido mais sobre como a gravidez pode te jogar "nos mesmos estágios mentais", poderia ter desejado ser mãe. "Será que, ao invés de ter lido Dostoievski, Tolstói, Machado de Assis, eu tivesse lido narrativas ficcionais a respeito de maternidade e outras aventuras femininas, eu teria tido vontade de ser mãe?"

Crítica literária, ela lançou neste ano "O Homem Não Existe: Masculinidade, Desejo, Ficção", pela editora Zahar. A mediadora Branca Vianna pediu que explicasse quem são os "hominhos" que ela cita na obra.

Diniz recordou de um podcast com feministas se dizendo fartas de homens querendo falar sobre mulheres. Que falassem deles mesmos.

Então ela encucou: "Por que a demanda não é a gente falar sobre eles?". "Fazendo super resumo dos hominhos": seria aquele cara que paga de "muito melancólico, muito inteligente, [alguém que] encarou mundo com olhos inteligentes e percebeu que o mundo é horrível e por isso ele é melancólico".

O tipo de sujeito que fala "te amo muito, você é a mulher da minha vida, mas preciso ir embora, preciso de aventuras, preciso viver o mundo". Como o personagem de "Viagem ao Fim da Noite", de Louis-Ferdinand Céline.

Uma imagem romantizada que não cola com Diniz. "Às vezes, ele é só sociopata ou não tem nada na cabeça."


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