Mulheres negras comandam Kassel e Veneza, as maiores mostras de arte do mundo
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Naomi Beckwith, diretora-adjunta do museu Guggenheim de Nova York, foi anunciada nesta quarta-feira como diretora artística da próxima Documenta de Kassel, a principal exposição de arte do planeta junto com a Bienal de Veneza. A edição 16 da Documenta acontece entre 12 de junho e 16 de setembro de 2027 na cidade alemã.
Com a indicação de Becwith, as duas maiores mostras de arte contemporânea do mundo agora tem diretores artísticos negros. Koyo Kouoh, curadora-chefe do Museu Zeitz de Arte Contemporânea da África, em Cape Town, coordena a próxima edição da Bienal de Veneza, em 2026. No Brasil, o camaronês Bonaventure Soh Bejeng Ndikung, diretor do Haus der Kulturen der Welt, em Berlim, será o curador da próxima Bienal de São Paulo, que começa em setembro do ano que vem.
Beckwith disse que seu projeto para a exposição é sobre como se pode atravessar emergências e passar por crises e transições, num mundo em que muita gente sente que a situação está estranha, incerta ou indeterminada. "Acredito que os artistas sempre nos ofereceram caminhos para trabalhar com as crises. Eles são mestres do improviso, mestres em criar algo novo mesmo quando não têm recursos disponíveis", afirmou, em entrevista coletiva em Kassel.
Num momento em que a humanidade tenta navegar conflitos e há um sentimento de que a tecnologia se move numa velocidade mais rápida do que podemos acompanhar, nos voltamos para os artistas para lidar com o futuro que se aproxima, acrescentou ela. A ideia é pensar com quem vai expor na Documenta "sobre possíveis futuros que podemos criar juntos".
Becwith, de 48 anos, tem um trabalho centrado no impacto e na ressonância da cultura negra em práticas artísticas globais. Ela foi selecionada por um comitê que convidou ao todo 13 curadores de várias partes do mundo para enviarem propostas para a próxima Documenta. A escolha de seu nome foi unânime, segundo Andreas Hoffmann, o diretor geral da exposição.
No museu em Nova York, Beckwith supervisiona coleções, exposições, publicações e programas curatoriais, além de ajudar na direção dos outros Guggenheim no mundo -as unidades em Bilbao, na Espanha, em Abu Dabi, nos Emirados Árabes Unidos, e a coleção Peggy Guggenheim, em Veneza, na Itália. Atualmente, Beckwith coordena a equipe curatorial do Palais de Tokyo, em Paris, na preparação de exposições para o outono do hemisfério norte no ano que vem.
A escolha de seu nome vem num momento em que a Documenta tenta, ela própria, se recuperar de uma crise. A última edição da mostra terminou envolta em acusações de racismo, devido à exposição e consequente remoção de um trabalho de conotação antissemita do coletivo da Indonésia Taring Padi. Este grupo posteriormente veio ao Brasil e realizou um projeto com o MST, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, a convite da Casa do Povo, instituição judaica de São Paulo.
O painel "People's Justice", ou a justiça do povo, desenhado há mais de 20 anos pelo Taring Padi como uma crítica à ditadura na Indonésia, causou a ira nos alemães por causa de dois personagens. O primeiro é um judeu ortodoxo vestindo um chapéu no qual está escrito SS, a sigla para a guarda de elite da Alemanha nazista.
O segundo retrata um militar da Mossad, o serviço de inteligência de Israel, com focinho de porco. Este mesmo oficial usa no pescoço um lenço estampado com a estrela de Davi, símbolo empregado pelos nazistas para facilitar a identificação dos judeus nos campos de concentração.
Sem mencionar esta obra mas em referência à crise que se abateu sobre a Documenta, a diretora artística afirmou que não tolera racismo ou antissemitismo em nenhuma das exposições que monta. Segundo ela, seu método de trabalho envolve uma colaboração profunda com os artistas, de modo que não há qualquer surpresa quando os trabalhos estão prontos para serem exibidos para o público.
O orçamento da Documenta 16 será praticamente o mesmo da edição anterior, de EUR42,2 milhões, cerca de R$ 272,2 milhões.
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