Compartilhe este texto

Novelas atuais são inferiores e escalar influenciador é tiro no pé, diz Silvio de Abreu

Por Folha de São Paulo

01/09/2024 10h00 — em
Arte e Cultura



SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - "Eu não devo nada a ninguém", afirma Silvio de Abreu, sentado em uma poltrona de seu escritório, onde as estantes guardam uma estatueta do Emmy Internacional, seis do Troféu Imprensa e cerca de 2.000 DVDs de filmes e séries. "Aprendi com meus erros, gostei dos meus acertos e tenho uma vida ótima. Não sou nem um pouco modesto. Não mesmo."

No caso dele, a modéstia de fato soaria pouco convincente. Silvio, afinal, se firmou ao longo dos anos como um nome incontornável da teledramaturgia brasileira. Ao lado de Gilberto Braga, Glória Perez, Aguinaldo Silva e Manoel Carlos, o artista, de 81 anos, formou o primeiro escalão de autores da TV Globo.

Na emissora, foi responsável por fenômenos como "Guerra dos Sexos", "A Próxima Vítima" e "Rainha da Sucata", novelas que souberam retratar e ficcionalizar a cidade de São Paulo com elementos da comédia pastelão e do melodrama folhetinesco.

Em 1996, no auge do sucesso como autor, ganhava R$ 53 mil por mês, valor que equivale a R$ 452 mil atualmente. A informação está no livro "Gilberto Braga: O Balzac da Globo", dos jornalistas Arthur Xexéo e Mauricio Stycer.

Em 2014, o poder de Silvio sobre a teledramaturgia aumentou. Naquele ano, assumiu a direção de dramaturgia diária da Globo e passou a ter a prerrogativa de aprovar e vetar enredos.

À frente do departamento, conquistou prêmios, mas também acumulou polêmicas. A mais ruidosa se deu em 2015, durante a novela "Babilônia".

Escrita por Gilberto Braga, Ricardo Linhares e João Ximenes Braga, a trama recebeu ataques homofóbicos após um beijo entre Fernanda Montenegro e Nathalia Timberg. Rejeitada pelo público, carregou por sete anos o título de novela das 21h menos vista da história.

Em "Gilberto Braga: O Balzac da Globo", João Ximenes diz que intervenções feitas pela emissora teriam destruído a espinha dorsal da trama.

"Tinha intervenção? Sim, tinha", diz Silvio de Abreu, acrescentando que interveio porque Gilberto Braga ficou doente e não pôde comandar a equipe. Com isso, a trama teria perdido coerência. "Queria ajudar, mas não aceitavam nada do que eu tinha proposto. Tive que brigar. Foi um inferno."

Em 2020, Silvio deixou a emissora após quatro décadas. O autor diz que decidiu encerrar seu contrato após mudanças que o fariam ficar subordinado a outras áreas. "Além disso, eu já estava vendo que a Globo ia ficar como está hoje." E como está a emissora atualmente? "Não está bem, né?"

Para ele, a presença de influenciadores em novelas é um dos sintomas disso. "Colocar influenciador em novela só porque ele tem milhões de seguidores é um tiro no pé. É a mesma coisa que me contratar para ser diretor do Corinthians. Vai ser um desespero. Não entendo nada de futebol"

Recentemente, a emissora escalou para as novelas Jade Picon e Rafa Kalimann, influenciadoras que tiveram a atuação criticada nas redes sociais. "Se for para televisão para passar vergonha, é melhor continuar sendo influenciador."

Ele, inclusive, não vê com bons olhos o desempenho da nova geração de atores. "A novela não tem a mesma força por ser muito inferior em todos os aspectos. O elenco é um deles."

Silvio diz que outra diferença é que os autores escreviam novelas sozinhos, o que para ele conferia personalidade às obras. Atualmente, os folhetins são escritos com o auxílio de múltiplos profissionais. É a chamada sala de roteiro. "Isso tirou deles o estilo. Esses autores de hoje não têm grife."

Diante desse cenário, considera que a teledramaturgia enfrenta uma fase conturbada, em que tem apostado em remakes por falta de ousadia. A origem disso estaria no medo de perder dinheiro, já que a televisão não lucra com publicidade como antigamente. "Mas justiça seja feita. Essa falta de dinheiro não é só na Globo. No streaming é a mesma coisa."

A afirmação é de alguém que trabalhou na Max durante um ano e meio após sair da emissora. Na plataforma, supervisionou a produção de novelas como "Beleza Fatal" e "Dona Beja", produções que ainda não foram lançadas.

Em março do ano passado, deixou a empresa porque ela teria começado a priorizar as séries em detrimento das novelas. "Preferi sair a fazer algo que não queria."

Pedir as contas não é uma dificuldade para ele. Foi isso o que fez logo em sua primeira novela na TV Globo.

Ele estreou como autor em "Éramos Seis", fenômeno de audiência exibido pela TV Tupi, em 1977. O sucesso o levou para a Globo, onde fez "Pecado Rasgado", novela que não teve o mesmo êxito. "Eu escrevia uma coisa e o diretor dirigia outra. Deu tudo errado."

Quando a novela chegou ao fim, saiu da emissora e voltou para o cinema, área na qual já era um nome em ascensão. Após o fracasso na TV, emplacou um sucesso nas bilheterias. Dirigiu "Mulher Objeto" --longa de 1981 que levou cerca de 1,2 milhão de pessoas aos cinemas.

Na filmagem da última cena, recebeu um telefonema da Globo. Cassiano Gabus Mendes havia infartado e o indicara para continuar a trama "Plumas e Paetês".

A partir daí, emendou um trabalho atrás do outro e transformou as novelas das 19h. "A Globo exibia nessa faixa comédias leves e românticas. Quando o Silvio entrou, implantou tramas de humor pastelão, inspiradas nas chanchadas e nas comédias americanas dos anos 1930 e 1940", diz Nilson Xavier, crítico de televisão.

"Guerra dos Sexos", de 1983, é o exemplo mais emblemático dessa fase. "Foi revolucionário para a Globo. Até então, não eram feitas novelas assim."

Após outras obras na faixa das 19h, como "Sassaricando" e "Cambalacho", estreou no horário nobre em 1990, com "Rainha da Sucata". A trama acompanhava os embates entre os novos ricos e a velha elite paulista.

Já em 1995, escreveu "A Próxima Vítima", folhetim que inovou ao misturar o melodrama das novelas com o suspense dos filmes policiais.

O cinema, aliás, é uma paixão que acompanha Silvio desde os cinco anos. "Fiquei encantado porque tudo nos filmes era lindo." É um cenário bem diferente daquele que encontrava em casa.

O autor cresceu num ambiente conflituoso. O avô escondia uma família fora do casamento, a tia era uma cantora frustrada e o tio arrumava briga com todo mundo. "A minha infância daria uma novela. Só que viver o enredo não é tão interessante quanto assisti-lo."


Siga-nos no
O Portal do Holanda foi fundado em 14 de novembro de 2005. Primeiramente com uma coluna, que levou o nome de seu fundador, o jornalista Raimundo de Holanda. Depois passou para Blog do Holanda e por último Portal do Holanda. Foi um dos primeiros sítios de internet no Estado do Amazonas. É auditado pelo IVC e ComScore.

ASSUNTOS: Arte e Cultura

+ Arte e Cultura