Mãe e filha dão à luz bebês com microcefalia
No calor deste verão, para deixar felizes Micaela e Maria Eduarda, as duas com menos de um 1 ano, é só levá-las à piscina do quintal de casa, no Jardim Primavera, em Caxias. Maria Eduarda, que está com 8 meses, dá gargalhadas quando a irmã, Caroline, a joga para o alto. E a criança já demonstra gostar de música clássica: é só colocar para tocar que ela fica calminha. Aos 10 meses, Micaela também se diverte ao se refrescar na piscina e quando está entre os brinquedos espalhados pelo chão da sala. Em vez de clássicos, ela prefere mesmo é escutar a Galinha Pintadinha. Cada pequeno sorriso das duas pequenas enche de esperança a família de Lidiane Cardozo dos Santos de Souza, de 34 anos, mãe de Maria Eduarda e avó de Micaela, filha de Caroline, de 17 anos. Numa grande coincidência, mãe e filha ficaram grávidas na mesma época e descobriram, pouco antes de darem à luz, que os bebês tinham microcefalia.
Aos dois meses de gestação, no final de 2015, Lidiane, que na época trabalhava como balconista numa loja de material de construção perto de casa, teve os sintomas clássicos da zika. Mas achou que estivesse com “intoxicação alimentar”:
— Não se falava em zika e microcefalia.
Já Caroline — filha de Lidiane —, se teve a doença, esta foi assintomática. O primeiro susto na família veio aos oito meses de gravidez da adolescente: na última ultrassonografia, descobriu que o bebê sofria da má-formação. Nesse momento, Lidiane ascendeu a luz amarela. Micaela já tinha nascido quando, também no último exame com ultrassom, aos oito meses, Lidiane receberia a notícia da microcefalia de Maria Eduarda. As duas se desesperaram, lembra Caroline:
"Eu só chorava. Via na internet bebês deformados, achava que ela seria um vegetal ou que poderia não resistir. Micaela nasceu com a cabeça miudinha. Todo mundo no hospital (o Adão Pereira Nunes, em Saracuruna) ficava olhando”, conta Caroline, que abre um leve sorriso ao recordar isso e surpreende, aos 17 anos, dizendo: "Hoje, vejo que o problema não é nenhum bicho de sete cabeças”.
Responsável pela pediatria do Instituto Estadual do Cérebro Paulo Niemeyer, referência no diagnóstico de bebês com microcefalia, Fernanda Fialho afirma:
"São mães que se preparavam para tanta tragédia que cada dia é uma vitória.”
Sentadas no sofá de casa e com as pequenas no colo, mãe e filha dizem que, com o tempo, se acostumaram à rotina intensa de médicos e cuidados especiais. Micaela ainda não consegue se sentar nem tem o controle da cabeça. Para evitar convulsões, precisa tomar três medicamentos. Há suspeita ainda que que ela tenha dificuldade para enxergar. Maria Eduarda consegue controlar a cabeça, mas também não fica sentada como as crianças da sua idade. Outro dia, parecia que ia rolar no chão, como os bebês fazem, o que fez a mãe dar gritos de alegria. Avô e bisavô materno das pequenas, Francisco derrama lágrimas de emoção toda vez que vê as duas rindo.
De acordo com a Secretaria estadual de Saúde, de 18 de novembro de 2015 a 14 de janeiro deste ano, 11.009 casos de gestantes com manchas vermelhas na pele foram notificados no estado. Do total, 1.993 tiveram confirmação do vírus. Em relação à microcefalia, de 1º de janeiro de 2015 a 14 de janeiro de 2017, 180 casos associados a infecções congênitas foram confirmados no estado. Outros 405 permanecem em investigação.
Na Secretaria de Saúde, o plano é que 100% dos bebês com suspeita de microcefalia sejam encaminhados para o Instituto do Cérebro, onde passam por uma bateria de consultas com especialistas e exames.
"Fomos pegos de surpresa por uma doença nova com tanto comprometimento. São bebês muito rígidos, que têm dificuldade de sentar, de andar. E há outras sequelas, como convulsão. Às vezes, eles não conseguem sugar e têm problemas visuais “, diz Fernanda Fialho. — Filhos de mães que tiveram zika precisam de acompanhamento de perto. A Organização Mundial de Saúde recomenda até os 6 anos de idade.
Lidiane e Caroline, quatro vezes por semana, seguem para o Adão Pereira Nunes, onde as filhas fazem fisioterapia, terapia ocupacional e fonoaudiologia. Uma vez por mês, elas têm consulta com pediatra e com neuropediatra. No tempo que sobra, elas passeiam pelo bairro e vão ao mercado com as meninas, além de levar as duas para festinhas infantis. Os parentes ajudam nos cuidados.
Apesar das dificuldades, estão todos em casa animados com o aniversário das duas. Em mais uma grande coincidência ali, Maria Eduarda nasceu no mesmo dia que a irmã, Caroline: em 24 de maio. Já Micaela faz um aninho no d”a 14 de março. Um salão de festas será alugado no Jardim Primavera para a tripla comemoração.
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