Em evento pró-cloroquina, Bolsonaro diz que jornalista 'bundão' tem mais chance de morrer de coronavírus
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - Com mais de 114 mil mortes provocadas pelo novo coronavírus, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) liderou, nesta segunda-feira (24), um evento no Palácio do Planalto para defender que o Brasil está "vencendo a Covid-19" e para fazer apologia ao tratamento com a hidroxicloroquina -medicamento que não têm tido eficácia comprovada para a doença em estudos recentes e com risco de efeitos colaterais.
No ato, ele voltou a criticar a imprensa e disse que jornalistas, se infectados pelo coronavírus, têm mais chance de morrer por ser "bundão".
O ministro interino da Saúde, general Eduardo Pazuello, não participou da agenda por estar em compromisso no Ceará.
Referindo-se à repercussão negativa de quando disse em março que, por seu "histórico de atleta", sentiria apenas uma "gripezinha" se infectado pela Covid, Bolsonaro se referiu a jornalistas com a expressão "bundão".
"O pessoal da imprensa vai para o deboche [na frase do histórico de atleta]. Mas quando [a Covid] pega num bundão de vocês a chance de sobreviver é menor", afirmou. "[Jornalista] só sabe fazer maldade, usar caneta com maldade em grande parte. Tem exceções, como aqui o Alexandre Garcia. A chance de sobreviver é bem menor do que a minha", disse, sinalizando o ex-apresentador da TV Globo e hoje defensor do bolsonarismo nas redes que participou da agenda.
É a segunda vez em um dia que Bolsonaro se refere de forma desrespeitosa a jornalistas. No domingo (23), ao ser questionado sobre depósitos de R$ 89 mil feitos pelo ex-assessor Fabrício Queiroz na conta da primeira-dama, Bolsonaro disse que tinha vontade de encher a cara do repórter com uma porrada.
O presidente também utilizou seu discurso para criticar seu ex-ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta (DEM), demitido por discordar do mandatário na condução da resposta do governo diante da pandemia.
Diferenças de opiniões sobre o uso da cloroquina foram uma das motivações da demissão.
"Se a hidroxicloroquina não tivesse sido politizada, muitos mais vidas poderiam ter sido salvas", afirmou o presidente.
A cerimônia, realizada no principal salão de eventos do Palácio do Planalto, reuniu médicos entusiastas da cloroquina.
Entre os que participaram do evento, estão profissionais que ficaram conhecidos por divulgarem vídeos em defesa da cloroquina -alguns com afirmações refutadas por sociedades de especialistas ou em checagens de projetos como o Comprova.
"Com o tratamento precoce, a nossa linda hidroxicloroquina, consegue sim reduzir os danos da Covid-19. Povo brasileiro, não tenha medo dessa medicação", disse a médica Raíssa Soares, uma das participantes.
Na cerimônia desta segunda, o grupo disse representar "10 mil médicos que ousam pela verdade e pela vida" e em defesa da "linda e velha cloroquina".
Apesar de dizer que têm evidências que sustentam o uso do medicamento também para a Covid-19, o grupo não apresentou quais seriam esses estudos.
"Mesmo que não as tivéssemos, em tempos de pandemia, o médico pode sim fazer uso de medicamentos off label", disse o secretário-executivo do Ministério da Saúde, Élcio Franco.
Bolsonaro participou do evento "Encontro Brasil vencendo a Covid-19", realizado no Planalto e com transmissão ao vivo pela TV Brasil, emissora do governo.
O encontro ocorre a despeito do alto patamar de mortes que o país ainda registra seis meses depois do início da epidemia.
Até domingo, o país já registrava 114.772 mortes provocadas pelo novo coronavírus. O número de pessoas que já foram infectadas é de 3.605.726.
No mundo, apenas os Estados Unidos têm números piores, com quase 177 mil mortos e mais de 5,7 milhões de casos, de acordo com a Universidade Johns Hopkins.
Dados divulgados pelo Ministério da Saúde apontam que 2.739.035 pacientes conseguiram se recuperar da doença. Outros 752.004 seguem em acompanhamento.
Na tentativa de reduzir o impacto dos números, o Planalto tem divulgado que o país soma um número maior de recuperados em comparação a outros países.
Especialistas, no entanto, alertam que o cálculo é impreciso e atribuem a maior taxa ao maior número de infecções e impacto da doença.
O evento também ocorre em que a curva de casos e mortes ainda segue em aumento em alguns estados. Balanço do Ministério da Saúde divulgado na última semana, por exemplo, apontava seis estados nessa situação nas regiões Sul, Centro-Oeste, Sudeste e Norte.
Desde o início da pandemia, o presidente vem minimizando o impacto da Covid-19 e defendendo a reabertura de comércios e relaxamento de medidas de isolamento social, na contramão de medidas indicadas pela Organização Mundial de Saúde e cientistas para evitar a transmissão do vírus.
Ao mesmo tempo, o presidente tem reforçado a defesa de medicamentos sem eficácia comprovada para a doença, caso da cloroquina.
A situação levou a queda de dois ministros da Saúde durante a pandemia: Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich. Atualmente, o Ministério da Saúde é comandado de forma interina pelo general Eduardo Pazuello.
Dados de pesquisa Datafolha divulgada após o país chegar a 100 mil mortes, no entanto, mostram que os brasileiros ficam divididos em relação à responsabilidade do presidente por essa marca.
Quase metade deles, 47%, dizem acreditar que o presidente não tem culpa nenhuma pelos óbitos. Os que acham que Bolsonaro tem responsabilidade somam 52% -são 11% os que o veem como principal culpado e 41% os que dizem que ele é um dos culpados, mas não o principal.
A pesquisa foi feita por telefone com 2.065 brasileiros adultos que têm celular, nos dias 11 e 12 de agosto. A marca das 100 mil mortes pela Covid-19 foi atingida no dia 8 de agosto, menos de cinco meses apos o registro da primeira morte decorrente da doença no país.
Nos últimos meses, Bolsonaro e ao menos oito ministros de seu governo foram infectados pelo coronavírus.
A primeira-dama, Michelle Bolsonaro, também contraiu o vírus. Tanto o presidente quanto a primeira-dama e os ministros não tiveram quadros graves da doença e já se recuperaram.
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