RIO - O embargo imposto pela União Europeia (UE) a 20 frigoríficos exportadores de frango provocará efeitos em cascata no mercado nacional, preveem analistas. Com as vendas para o exterior comprometidas, o excesso de oferta por aqui fará os preços da ave, que já estão baixos, caírem ainda mais. Para competir, a carne bovina também deve ficar mais barata, pelo menos em um primeiro momento. Enquanto isso, nas lavouras, a expectativa é que produtores de milho revejam planos para o ano que vem, a fim de se adaptarem à provável redução dos abates.

— Em economia, nada é impune. Com a perda de clientes no mercado europeu, vai sobrar frango aqui. Daqui a três meses, teremos o planejamento para a safra de milho do ano que vem. Se a gente esperava safra de 95 milhões (em 2019), teremos algo como 92, 91 (milhões) — resume Fábio Silveira, sócio-diretor da consultoria MacroSector.

Essa esperada temporada de promoções deve ocorrer em um cenário de preços já em queda. No acumulado em 12 meses até março, o frango inteiro registra deflação de 7,94%, segundo o IPCA, o índice usado na meta oficial de inflação. Já são 11 meses no negativo.

Se, para o consumidor, o orçamento ficará mais folgado, o cenário é crítico para o produtor, observa o economista André Braz, da Fundação Getulio Vargas (FGV). Boa parte do milho consumido pelas aves criadas aqui vem da Argentina, onde uma seca prejudicou a safra e encareceu o insumo. Assim, o setor ficará na situação em que vê os preços em queda pelo excesso de oferta, sem poder repassar o aumento de custos.

— Já havia uma oferta maior, determinada por uma estratégia do setor de criação mais robusta. O embargo e a quebra de safra na Argentina não estavam no radar — explica Braz.

Para a carne bovina, o impacto será limitado, na avaliação de Thiago Carvalho, pesquisador de pecuária do Centro de Estudo Avançados em Economia Aplicada da Universidade de São Paulo (Cepea-USP):

— A carne pode sofrer uma queda a curto prazo, nas próximas semanas talvez. Mas ela tem um mercado gigantesco a ser explorado. O mundo tem um problema sério de criação de carne bovina. Não há nenhum lugar em que se produza carne tão barata quanto o Brasil. O mercado é muito sólido, então ele não deve sofrer impactos a longo prazo.

Os produtores de frango afirmam que tomaram medidas para minimizar efeitos sobre o mercado local. Segundo o vice-presidente da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), Ricardo Santin, frigoríficos já começaram a desacelerar a produção. As empresas começam a conceder férias coletivas, e já se cogitam demissões.

— Em um primeiro momento, no início de mês, houve uma superoferta no mercado interno, o que fez com que os preços caíssem muito. Mas isso não deve ocorrer novamente. As empresas já colocaram 5 mil funcionários em férias coletivas — diz Santin, que vê 15 mil trabalhadores em risco.

Nesse cenário, o presidente da Bolsa de Gêneros Alimentícios, Humberto Margon, acredita que os preços não devem cair mais nos próximos meses.

— As empresas não vão conseguir suportar outro corte nos preços. A opção será um grande corte na produção, o que deve equilibrar um pouco a oferta.

Em nota, a BRF, dona de 12 dos 20 frigoríficos afetados pelo embargo da UE, afirma que, mesmo não tendo sido oficialmente informada da decisão, revisará seu planejamento de produção. Quatro unidades da empresa já estão em regime de férias coletivas: Capinzal (SC), Rio Verde (GO), Carambeí (PR) e Toledo (PR).