Conselho diz que 611 cidades podem ficar sem médico após saída dos cubanos
BRASÍLIA E SÃO PAULO — Dos 3.228 municípios atendidos apenas pelo Programa Mais Médicos , 611 correm risco de ficar sem nenhum profissional na rede pública a partir do Natal, após a decisão do governo de Cuba de não participar mais do programa. Segundo Mauro Junqueira, presidente do Conselho Nacional de Secretarias municipais de Saúde (Conasems), esse é o número de municípios que só possuem médicos cubanos.
Representantes do Conasems vão se reunir nesta segunda-feira com o Ministério da Saúde, que anunciou a abertura, na semana que vem, de edital para que médicos formados no Brasil ocupem as vagas que serão deixadas por cubanos. Numa segunda etapa, serão convocados brasileiros formados no exterior. O objetivo é que as vagas sejam repostas ainda em novembro.
— Nossa intenção é que, à medida em que forem surgindo as vagas, os médicos brasileiros, com CRM daqui, já possam fazer opção. Nós acreditamos que existe um universo de cerca de 15 a 20 mil médicos que estão aptos a participarem do edital — disse o ministro da Saúde, Gilberto Occhi.
O ministro afirmou que vai se reunir na próxima semana com a equipe do presidente eleito Jair Bolsonaro.
Abatimento no Fies
Como alternativa para substituir os cubanos, o Ministério da Saúde quer atrair profissionais formados pelo Programa de Financiamento Estudantil (Fies) . Eles ingressariam no programa e, em troca, abateriam parte da dívida. A proposta será levada à equipe de transição de Bolsonaro.
O Fies foi instituído em 2001 e concede financiamento a estudantes em cursos superiores pagos. Depois de formados, eles têm que pagar o empréstimo. A forma como os participantes do Mais Médicos teriam sua dívida abatida não foi definida. Não se sabe ainda, por exemplo, se haverá um desconto no salário de R$ 11.865,60 pago todos os meses aos médicos do programa.
O desafio, diz Mauro Junqueira, é conseguir repor o mais rapidamente possível os profissionais cubanos, que atendem basicamente comunidades em áreas de vulnerabilidade social, com alto índice de criminalidade, comunidades quilombolas, indígenas, ribeirinhos e moradores de áreas de floresta.
— Algumas regiões possivelmente ficarão sem médico por um período entre 60 e 90 dias. Tudo vai depender da celeridade do Ministério da Saúde e do número de inscritos na primeira chamada. O Conselho Federal de Medicina afirmou que tem médicos disponíveis no Brasil, vamos torcer para que todos se inscrevam — disse Junqueira.
Ontem, a Defensoria Pública da União (DPU) anunciou ter entrado com uma ação civil pública, na Justiça Federal de Brasília, para manter as regras atuais do Mais Médicos . Segundo a DPU, mudanças no programa, como a exigência da revalidação do diploma, precisam passar por um estudo prévio de impacto e comprovação da eficácia imediata de medidas compensatórias.
Apreensão nos municípios
O anúncio do fim do convênio com Cuba afeta especialmente municípios pequenos . Em São Félix das Balsas, uma cidade de 5 mil habitantes no interior do Maranhão, a notícia gerou apreensão. Segundo a secretária municipal de Saúde, Jardeany da Silva, São Félix só dispõe de duas médicas, ambas cubanas, para cuidar de toda a população:
— A gente não sabe o que vai fazer com a saída delas. Nosso município é muito carente, e toda a população depende dos serviços públicos — diz Jardeany.
Segundo dados do Ministério da Saúde, 457 cubanos atuam no Maranhão, em 167 municípios. Cidades grandes também enfrentarão dificuldades. A prefeitura de Araçatuba, município paulista com cerca de 200 mil habitantes, foi pega de surpresa. Dos 45 médicos que atendem no programa saúde da família, 23 são cubanos. A rede pública de saúde do município conta com 56 médicos e os profissionais de Cuba representam 41 % do total.
— É preciso buscar alternativas para que não tenha desassistência — afirma Carmem Guariente, secretária de Saúde do município.
Segundo ela, a maior dificuldade é conseguir médicos que queiram cumprir a carga horária semanal de 40 horas, de segunda a sexta-feira.
— Os médicos brasileiros acham mais atraente trabalhar para planos de saúde ou clínicas particulares —diz ela.
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