Delator descreve 'delivery' de propina a Collor
BRASÍLIA — Principal operador do “money delivery”, o esquema de entrega de propinaem domicílio criado pelo doleiro Alberto Youssef, o delator Rafael Ângulo Lopez prestou depoimento ontem em que revela novos detalhes de uma entrega de propina ao senador e pré-candidato à Presidência pelo PTC, Fernando Collor (AL). Ângulo foi interrogado na ação penal que corre em sigilo no Supremo Tribunal Federal (STF) e investiga se o senador e outros dois comparsas cometeram os crimes de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e participação em uma organização criminosa.
Segundo o entregador, a propina de R$ 60 mil, divididas em pacotes com cédulas de R$ 100, foi transportada até o apartamento de Collor amarrada nas pernas. Ao encontrar o “senhor Fernando”, o entragador diz que Collor, ao ver o dinheiro, “não pôs a mão”, preferiu que o pacote fosse deixado em uma sala antessala do apartamento.
— Eu tinha tirado o dinheiro que tinha levado nas pernas e coloquei no paletó. Eram R$ 60 mil em notas de R$ 100. Ele pediu para eu colocar numa mesinha que tinha lá, junto à parede, embaixo de um quadro. Ele não pôs a mão no dinheiro, mas pediu para deixar nessa mesa. Eu disse para ele: "trouxe 60, o senhor sabe?" E ele respondeu. "Sei". Eu deixei ali, acabei me despedindo, ele me acompanhou até a porta e eu desci —relatou o entregador.
Na denúncia, aceita pelo Supremo em agosto do ano passado, a Procuradoria-Geral da República acusa Collor de ter embolsado cerca de R$ 30 milhões em propina, entre 2010 e 2014, a partir de contratos da BR Distribuidora sobre troca de bandeira de postos de combustível. A ação está relacionada a um dos primeiros casos investigados pela Operação Lava-Jato.
No depoimento, Ângulo descreve em detalhes o dia em que foi até um luxuoso edifício residencial no bairro Bela Vista, em São Paulo, para entregar um pacote de R$ 60 mil em propina a um certo “senhor Fernando”.
— Era quase na frente do Teatro Ruth Escobar, na Rua dos Ingleses, 308. Eu reconheci o prédio pelas fotos que a Polícia Federal me mostrou. Várias fotos de prédios e aí eu reconheci o que eu fui — diz Ângulo.
Ângulo foi instado a descrever como foi a entrega desde a sua chegada na portaria do prédio de Collor.
— Tinha uma portaria externa. Quando eu cheguei, me anunciei dizendo que eu queria falar com o senhor Fernando. Nessa altura, não sabia que era ele. Só soube quando ele me atendeu — disse o entregador, que levava os R$ 60 mil em pacotes de notas de R$ 100 amarrados nas próprias pernas.
— Entraram em contato, liberaram minha passagem, me abordaram para perguntar o assunto e com quem seria, me identifiquei por parte de quem teria me mandado, inclusive com o apelido de Primo, do seu Alberto Youssef, e disse que tinha um documento para o doutor Fernando. Um documento que tinha de ser entregue pessoalmente. Eles me acompanharam até o elevador e quando o elevador abriu a porta no andar, uma pessoa me atendeu, uma mulher com uniforme. Eu disse que tinha que falar com o senhor Fernando. Aí ela foi para dentro do apartamento e logo ele abriu a porta de entrada da sala. Foi quando eu vi que era ele —relembra Ângulo.
— Ele pediu para entrar e perguntou o que eu tinha ido fazer lá. Eu disse que tinha um documento para ele e perguntei se ele sabia que documento era e quantas páginas o documento tinha. Ele respondeu que eu é que deveria saber o número de páginas. Aí, ele me levou para uma antessala do lado esquerdo e lá eu entreguei o dinheiro — diz o braço-direito de Youssef.
Além de descrever o dia em que entregou propina diretamente para um “ex-presidente da República”, fato que Ângulo diz ter marcado sua trajetória de entregas de propina – “porque eu nunca tinha estado com um presidente da República”, disse ele –. Ângulo Lopez foi questionado se havia feito depósitos de propina para contas de Fernando Collor. Questionado se aparecia o nome de Collor nos comprovantes de depósito, o delator então descreveu como era feita a rotina de depósitos de modo a dificultar a fiscalização das autoridades.
— Me foi pedido para fazer um depósito de R$ 20 mil, que foi feito fracionado. Um era de R$ 8 mil, outro de R$ 9 mil e outro de R$ 3 mil no caixa eletrônico, com valores em espécie. Aparecia o nome Fernando Collor de Mello nos comprovantes. Ele (Youssef) tinha me dito para depositar para o “senhor Fernando”. Eu não sabia quem era. Aí depositei e vi o nome. Perguntei para ele quem era a pessoa e ele confirmou.
Ao lado de Collor, são réus na ação Pedro Paulo Bergamaschi de Leoni Ramos, ex-ministro do governo Collor e considerado operador do senador em diversos negócios, e Luís Pereira Duarte de Amorim, diretor da Gazeta de Alagoas, apontado como testa de ferro e recebedor de propina para Collor.
Sobre Amorim, o delator descreve no depoimento as viagens que fez a Alagoas para entregar malas de R$ 100 mil a R$ 200 mil ao interlocutor de Collor.
— Luis me apanhava no aeroporto com uma caminhonete prata, cabine dupla, se não me falha a memória. Entregava pra ele o determinado valor, levava 100, 150 ou 200 mil, uma coisa assim. Aí ficava no hotel e no dia seguinte voltava embora — diz Ângulo.
Em viagem, o senador Fernando Collor não foi encontrado para comentar. Por meio de assessoria, ele já afirmou ao GLOBO que estava convencido de que será absolvido nesse caso. "O senador já apresentou sua defesa, certo de que sua inocência será mais uma vez reconhecida pela Corte, a exemplo do que já aconteceu no passado", diz a assessoria.
Pedro Paulo Leoni Ramos já declarou que estava colaborando com a Justiça e prestando todos os esclarecimentos. A defesa de Luís Duarte não foi localizada.
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