'Era um jovem cheio de sonhos, queria ser militar', diz amigo de um dos mortos na Rocinha
RIO - O jovem Matheus da Silva Duarte, de 19 anos, morto durante confronto entre policiais e traficantes na Rocinha, no sábado, tinha um sonho: ser militar. Tanto que assim que se vestia com roupa inspirada no uniforme usado pelos cadetes da Marinha, nas noites em que atuava como dançarino num projeto social, os colegas percebiam que ele sorria com orgulho. Três dias após o tiroteio que matou um policial militar lotado na UPP local e um morador, oito pessoas foram mortas na Rocinha.
— Era um jovem muito alegre, cheio de sonhos. Era o que mais zoava na van, mas também era o que mais ajudava os colegas — conta o promoter Alexander Izaías, 38 anos, diretor do Grupo de Valsa Noite de Encanto.
A família de Matheus está aguardando a liberação do corpo do jovem no Instituto Médico Legal (IML). A previsão é de que o velório seja realizado na noite deste domingo, na capela localizada na Vila Verde. O enterro está previsto para ocorrer na manhã de segunda, no Cemitério São João Batista. Amigos de Matheus colocaram faixas em homenagem ao rapaz, em frente à Cachopa e na Rua 4, com os dizeres: "Petróleo, saudades eternas", uma referência ao apelido dele.
Parentes e amigos inconformados por Matheus ter sido chamado de bandido
“Ele era o príncipe da valsa. Não era bandido!”. A frase da tia de Matheus mostra a indignação dos familiares diante da informação de que ele está sendo tratado como bandido pelas autoridades. O dançarino é uma das oitos vítimas do tiroteio que ocorreu neste sábado.— Só porque ele vai numa festa que ele é bandido? O Matheus era um menino muito querido dentro da Rocinha. Sempre alegre, sorridente, prestativo. O Matheus gostava muito de valsa. Ele foi o príncipe da festa de 15 anos da prima dele. Qual bandido que sai para ir dançar valsa? — questionou a tia da vítima, que pediu para não ser identificada.
Alexander Izaías fez um post no Facebook protestando contra a divulgação de informações erradas sobre o jovem.
— Ele estava no meu projeto há mais de um ano e meio. Estava confirmado para ir numa apresentação em São Paulo, mês que vem. Somos um projeto social que trabalha com jovens. Ficaram dizendo que ele era traficante. Isso é mentira. Até porque, no meu projeto não tem nenhum traficante. Ele era um jovem cheio de sonhos. Queria ser militar. Adorava usar a farda que imita a dos cadetes da Marinha. Mas, ele dizia que primeiro tinha que arranjar um emprego. Na semana passada, ele tinha tirado sua primeira carteira de trabalho — conta Alexander.
Matheus participava de um projeto que se apresenta em festas de 15 anos, dançando valsa. Na sexta, o jovem havia se apresentado com o grupo em São Gonçalo. Ao voltar para a Rocinha, desceu da van com os colegas, por volta das 2h, recebeu o cachê de R$ 50, e decidiu ir com alguns dos companheiros se divertir no baile funk.— Ele fazia parte do segmento chamado "cadetes oficiais", formado só por meninos. Na sexta, fomos a São Gonçalo e quando voltamos, ele pegou o cachê e foi se juntar aos outros meninos do projeto nesta festinha. Contam que ele ficou lá conversando, quando a polícia chegou, cada um saiu correndo para um lado, e ele foi um dos atingidos, pelas costas. É muito triste acordar e saber que um aluno meu morreu, foi assassinado, e foi chamado de traficante. Todo mundo do projeto está revoltado e a família está em choque — desabafou Alexander.
O projeto tem cerca de 50 jovens, entre meninos e meninas. Eles ensaiam todas as terças e quintas-feiras, à noite, na Biblioteca Parque da Rocinha. Segundo Alexander, os outros jovens do projeto estão arrasados. E pretendem fazer uma homenagem ao amigo no enterro.
— Quando o PM é morto, recebe honras militares. Ele vai receber honras de amizade. Os meninos do projeto vão todos ao enterro uniformizados. Vamos carregar o caixão do Matheus, com a roupa do projeto de valsa — diz.
PÉ DE VALSA
Segundo os familiares, o jovem tinha ido ao baile funk apenas curtir a festa com amigos. Há pelo menos três anos, ele fazia aulas de valsa, ritmo que mais gostava.
Além da valsa, o jovem gostava de viajar e surfar. O mergulho era outra atividade que amava, segundo os familiares. No ano passado, ele fez o seu primeiro mergulho em uma praia de Natal (RN). Atualmente, Matheus aguardava ser chamado para trabalhar como entregador de uma farmácia na Barra da Tijuca, na Zona Oeste do Rio.
— Ele tinha feito o teste na última segunda-feira. Estava confiante de que iria conseguir o emprego. Estava aguardando — afirmou a tia.
Muito abalada, a mãe de Matheus, que também pediu para ter a identidade preservada, disse apenas que está vivendo uma situação apavorante e que queria tirar o filho da Rocinha. O rapaz morava na comunidade desde o seu nascimento com a tia e a avó.
— É uma situação apavorante. Ele não queria sair de lá, mas eu pedi para ele ir morar comigo (em Santa Cruz, na Zona Oeste do Rio) por causa da situação da Rocinha — resumiu a mãe de Matheus.
Neste primeiro momento, a família de Matheus disse querer pensar apenas em enterrar o corpo do jovem. A pedidos de amigos, o velório deve ocorrer na Rocinha, mas ainda não há detalhes de como será a cerimônia. Encerrada a parte burocrática, eles irão ver a possibilidade de processar o Estado.
— Vamos pensar nisso depois. Queremos dar um enterro digno ao meu sobrinho neste momento — contou a tia.
Matheus era solteiro e tinha outros dois irmãos mais novos
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