Ex-delegado do Dops vira réu por ‘ocultação e destruição de 12 cadáveres’ na repressão
A Justiça Federal recebeu denúncia do Ministério Público Federal no Rio contra o ex-delegado do Departamento de Ordem Política e Social (Dops), Cláudio Antônio Guerra, de 79 anos, pelo crime previsto no artigo 211 do Código Penal, por ‘ocultação e destruição de 12 cadáveres‘ – entre os anos de 1973 e 1975, supostamente por meio de incineração em fornos da antiga usina de açúcar Cambahyba, em Campos, norte fluminense.
O militar se torna réu por crimes cometidos durante a ditadura, informou a Procuradoria.
“Isso é importante, pois, de acordo com dados do Relatório de Crimes da Ditadura (2017), apenas seis de 26 pessoas acusadas por crimes cometidos durante a ditadura se tornaram réus em ação penal”, disse o procurador da República Guilherme Virgílio, autor da denúncia.
Uma guerra suja
Sob a forma de confissão espontânea, depoimentos reunidos no livro ‘Uma Guerra Suja‘, Cláudio Antônio Guerra relata que de 1973 a 1975 recolheu no imóvel conhecido como ‘Casa da Morte‘, em Petrópolis (RJ), e no Destacamento de Operação de Informação e Centro de Operações de Defesa Interna (Doi-Codi), na Tijuca, os corpos de 12 pessoas, levando-os para o município de Campos dos Goytacazes (RJ), ‘onde foram incinerados, por sua determinação livre e consciente, nos fornos da Usina Cambahyba’.
Além da condenação de Cláudio Guerra, a Procuradoria pede o cancelamento de eventual aposentadoria ou qualquer provento de que disponha o ex-delegados do Dops em razão de sua atuação como agente público, ‘dado que seu comportamento se desviou da legalidade, afastando princípios que devem nortear o exercício da função pública’.
Em seu depoimento, Guerra relatou que havia ‘preocupação nos órgãos de informação, por parte dos coronéis Perdigão e Malhães, de que os corpos daqueles que eram eliminados pelo regime acabassem descobertos, movimentando a imprensa nacional e internacional’.
Ele narrou que uma das estratégias de sumir com os corpos consistia em arrancar parte do abdômen das vítimas, evitando, com isso, a formação de gases que poderia fazer com que o corpo emergisse.
Ainda segundo Guerra, ‘os rios constituíam a preferência para afundamento dos corpos, dado que no mar a onda traz de volta’.
Ele informou que ‘sugeriu o forno da Usina Cambahyba, como forma de eliminação sem deixar rastros, dado que já utilizava a usina e seus canaviais para desova de criminosos comuns, do Espírito Santo, em razão de sua amizade com o proprietário da usina’.
Para retirar os corpos na ‘Casa da Morte’, o ex-delegado relatou. “Que encostava o carro no portão e recebia, em seguida, de dois ou três militares, os corpos ensacados em sacos plásticos.”
“Ao chegar na Usina, passavam os corpos para outro veículo, que ia até próximo dos fornos, sendo então colocados na boca do forno e empurrados com um instrumento que lembrava uma pá, e, ainda, que o cheiro dos corpos não chamava atenção por causa do forte cheiro do vinhoto.”
Em 19 de agosto de 2014 foi feita reconstituição no local, com a presença de Cláudio Antônio Guerra, ‘com a confirmação de que a abertura dos fornos era suficientemente grande para entrada de corpos humanos’.
COM A PALAVRA, O EX-DELEGADO
A reportagem busca contato com a defesa do ex-delegado do Dops do Rio, Cláudio Antônio Guerra. O espaço está aberto para manifestação.
ASSUNTOS: ditadura militar, ocultação de cadáver, repressão, réu, Brasil