Nas cidades com 10 piores IDHs, corrupção e descaso
RIO — Nas dez cidades com o pior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do país, os prefeitos terminam seus mandatos este ano devendo explicações por falta de professores, contas irregulares, obras na Saúde não concluídas, denúncias de nepotismo e até agiotagem. Levantamento nos Ministérios Públicos e Tribunais de Contas dos estados mostra um quadro em que pouca transparência, falhas de gestão e indícios de desvios se unem a péssimos indicadores de Educação, longevidade e renda, itens que compõem o IDH municipal.
O pior IDH do Brasil está num ilha do arquipélago do Marajó. Melgaço (PA) tem pouco mais de 26 mil moradores e índice de 0,418 — o do município na melhor posição, São Caetano do Sul (SP), é 0,862, o dobro. A lista mais recente dos IDHs municipais, feita pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), é de 2013. Quanto mais perto de 1, maior o desenvolvimento.
No último ano, o Ministério Público abriu pelo menos 11 inquéritos civis para apurar atos que se relacionam com a gestão municipal de Melgaço: por exemplo, denúncia de atrasos no pagamento de servidores municipais da Educação; e de que obras de construção de uma feira coberta, ainda não concluída, podem ter beneficiado a reeleição do prefeito Adiel Moura (PP), destaca o promotor José Ilton Lima Moreira Júnior. Quando foi divulgado o ranking dos IDHs municipais, em 2013, o MP se reuniu com autoridades e moradores da cidade devido à sua colocação.
— Também estamos apurando a situação do transporte hidroviário municipal, vendo segurança, acessibilidade; e denúncia de que um benefício chamado Cheque Moradia (estadual, para compra de material de construção) não teria sido divulgado de forma correta no município e estaria favorecendo algumas pessoas — diz Ilton.
A região do Marajó tem mais duas cidades entre as dez com pior IDH: Chaves (6º) e Bagre (8ª). Cachoeira do Piriá, a nona pior, também é paraense. Nas áreas urbanas dessas quatro cidades, o rendimento mediano per capita dos domicílios não chega a R$ 250 por mês, segundo o IBGE.
Em Chaves, a prefeitura é alvo de três ações do MP por improbidade, uma delas por não conclusão de obras de nove unidades básicas de Saúde, orçadas em R$ 3,08 milhões. Na ação, a promotoria pede, por medida cautelar, o afastamento da prefeita Solange Lobato (PMDB).
Já em Bagre, além de inquéritos do MP, o prefeito Cledson Farias (PSD), no segundo mandato, foi cassado em 2013 pelo Tribunal Regional Eleitoral por uso da máquina da prefeitura na campanha do pai a deputado. As acusações dão conta de que o prefeito teria oferecido dinheiro, emprego e até motor de barco em troca de voto.
Houve, ainda, denúncias de que servidores teriam sido obrigados a apresentar o título de eleitor no dia do pagamento; e de que participantes de um programa social teriam sido obrigados a trabalhar como cabos eleitorais. A defesa, porém, reverteu a decisão no Tribunal Superior Eleitoral, sob o argumento de que o caso não teria a ver com a eleição de 2012, na qual o prefeito foi reeleito, mas com a de 2010; Cledson reassumiu, e o processo voltou ao TRE, onde aguarda novo julgamento.
Em Cachoeira do Piriá, que cresceu nas margens da BR-316, entre Pará e Maranhão, a gestão atual tem tomada de contas no TCE que questiona convênio da prefeitura na Educação com o estado.
São do vizinho Maranhão o 2º e o 4º piores IDHs. Segundo a base de dados do TCE, a prefeitura de Fernando Falcão, penúltimo lugar, tem processos de três tomadas de contas questionando o Fundo Municipal de Saúde de 2013, 2014 e 2015, e de duas tomadas de contas sobre a gestão do Fundeb.
Marajá do Sena (MA) tem moradores na área rural com rendimento domiciliar mediano que não chega a R$ 50 mensais per capita. Mas, em vez de serviços à população, o dinheiro de Marajá teria ido para doadores da campanha do prefeito Manoel Edivan da Costa (PMN), diz o delegado Leonardo Bastian, da Superintendência de Combate à Corrupção da Polícia Civil, e responsável por um caso que levou à prisão temporária de Edivan em 2015, na Operação Maharaja, da polícia e do Ministério Público.
Afastado por 90 dias em 2015, o prefeito reassumiu. Virou réu em ação penal, acusado de desvio de verba pública, formação de quadrilha e lavagem de dinheiro, segundo o delegado:
— Agiotas doavam à campanha, depois cobravam o dinheiro com juros do prefeito, que para pagar usava dinheiro municipal. Vimos transferências da conta da prefeitura para a conta dos acusados de agiotagem, muitos deles empresas — diz Bastian.
A operação foi desdobramento da apuração sobre o assassinato do jornalista Décio Sá. Em 2012, a polícia achou na casa do agiota, que teria sido o mandante do crime, cheques em branco assinados por prefeitos, além de anotações com valores e nomes de prefeitos, entre eles o de Marajá, diz Bastian.
Em Atalaia do Norte (AM), a mais de mil quilômetros de Manaus, o prefeito Nonato Tenazor (PDT) é alvo de ação por improbidade, acusado de ter empregado filho, irmã e sobrinhos. O MP ainda pede a conclusão de quatro unidades de Saúde.
O prefeito também teve as contas de 2013 reprovadas pelo TCE. Entre as irregularidades, estão falta de comprovação “de diversos serviços alegadamente contratados”; e o fato de que o prefeito “não justificou a nomeação de 50 pessoas para cargos comissionados, cujos sobrenomes são idênticos ao seu (Tenazor), caracterizando nepotismo”.
Na área da reserva Raposa Serra do Sol, Uiramutã (RR) é o 5º pior IDH. Tem domicílios na área rural com rendimento mediano de menos de R$ 30 per capita/mês. Em 2013, o prefeito Eliesio de Lima (PT) foi alvo de processo no TCE por comprar carro para uso particular com verba municipal.
Procurada pelo GLOBO, a chefia de gabinete da prefeitura de Melgaço destacou ações como abertura do hospital municipal e melhora do cadastro do Bolsa Família; disse que a prefeitura não tem ingerência sobre o Cheque Moradia, estadual; negou o atraso do salário da Educação e problemas na construção da feira coberta da cidade.
A Secretaria de Educação de Cachoeira do Piriá disse que estão regulares as contas do convênio com o estado. As outras prefeituras foram procuradas, mas não foram achados responsáveis para comentar as acusações.
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