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Padres exorcistas presenciam 'manifestações demoníacas' e já são dezenas no Brasil

Por Folha de São Paulo

02/01/2025 10h00 — em
Brasil


Foto: Reprodução Pixabay

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Em 19 anos de batina, o padre Dalmário Barbalho de Melo, 46, diz que só testemunhou um caso de possessão demoníaca. "Era uma adolescente de 14 anos que nunca estudou outro idioma a não ser português. De uma hora para outra falava em mandarim, russo, inglês, idiomas africanos."

A jovem franzina, de repente, revelou uma força fora do comum, segundo ele. Cuspia diante do crucifixo, desferia palavrões, revelava intimidades sobre as pessoas ao redor que ela não teria como saber de antemão.

Foram quatro meses até o demônio sair daquele corpo que não lhe pertencia, conta Dalmário. E foi na base da oração. "O exorcista só tem esse recurso."

O "menino dos recados de Deus", como se descreve esse padre fã de Beatles e Legião Urbana, é desde outubro o exorcista oficial da Arquidiocese de Natal (RN).

A AIE (Associação Internacional dos Exorcistas) tem 46 filiados no Brasil, entre os mais de 900 espalhados pelo mundo. Há quem exerça o posto no país sem ser membro, diz o padre João Paulo Veloso, porta-voz da entidade e exorcista da Arquidiocese de Palmas (TO).

Em 1985, o então cardeal Joseph Ratzinger (futuro papa Bento 16), à época prefeito da Congregação da Doutrina da Fé, órgão do Vaticano, evocou o código canônico para esclarecer quem afinal poderia cumprir o papel. "A ninguém é lícito proferir exorcismo sobre pessoas possessas", fora aquele nomeado pelo bispo ou arcebispo, disse ele.

Se a diocese não tiver um indicado, e muitas não têm, os casos suspeitos são encaminhados para o líder local. Por exemplo, dom Odilo Scherer é quem deve recebê-los na Arquidiocese de São Paulo.

Para Dalmário, sua capacitação é maximizada pelo diploma de psicologia, uma das graduações que acumula -ele também se formou em filosofia, teologia e história. Com 28 mil seguidores no Instagram, é o que poderíamos chamar de padre influencer.

Em 2019, o colega Fábio de Melo replicou um vídeo de Dalmário cantando o sertanejo "Boate Azul" numa missa. Melo elogiou o dom do potiguar "para comunicar com uma linguagem que as pessoas entendem". A abordagem despachada, somada a uma "vida de oração verdadeira e intensa", segundo Dalmário, o habilitam para exorcizar os demônios do dia a dia.

O episódio da poliglota repentina é um em um milhão. "De fato, minha irmã, é algo raríssimo de acontecer", diz à reportagem. Os exorcismos cotidianos pouco lembram cenas extraordinárias "pintadas por Hollywood", que alimentam o estereótipo do "padre das trevas" -esse mesmo aí que você pensou, do filme "O Exorcista", em que uma possuída levita e gira a cabeça.

As manifestações demoníacas são menos dadas a efeitos especiais, e nem por isso desprovidas de grande perigo, afirma o sacerdote. Podem pulular num "coração petrificado pela falta de amor" e provocar vícios que destroem famílias.

O cronista João do Rio, em seu "As Religiões no Rio", já falava desse ofício no começo do século 20. "Só no ano de 1903, exorcismei mais de 300 demoníacas", lhe relatou frei Piazza.

O religioso reproduz ainda o fraseado que lança para expulsar demônios, que chama de "espírito imundo" e "serpente antiga", para então condená-los: "Os vermes esperam a ti e aos teus".

Cofundador da AIE, o italiano Gabriele Amorth (1925-2016) já declarou: "Eu, medo de Satanás? É ele que deve ter medo de mim. Eu trabalho em nome do Senhor do mundo. Ele é só o macaco de Deus".

'DESFAZ TODO O MAL'

Umas 25 pessoas esperam o padre Jader Pereira, 51, no Santuário do Bom Jesus. A autointitulada "maior autoridade em exorcismo no Brasil" comanda sua "missa de cura, libertação e exorcismo" na véspera do Dia das Bruxas.

Jader se apresenta num panfleto ali distribuído: "Você sofre com problemas espirituais? Tudo está dando errado na sua vida? Você não sabe mais o que fazer? O padre desfaz todo o mal".

A estética da casa, um galpão no Brás (região central paulistana), é um saladão ecumênico. Tem ares de igreja pentecostal de bairro com símbolos de catolicismo romano, judaísmo e um triângulo onde se lê YHWH (Jeová, em hebraico).

Jader pertence à Igreja Católica Apostólica Renovada, dissidência sem ligação com a Santa Sé. Filho de um fiel da Igreja Quadrangular que depois criaria essa nova denominação cristã, ele virou padre em 1997.

Sacou logo que tinha o que chama de dom. "Acontecia comigo de as pessoas caírem, tentarem pegar cadeira e jogar na minha direção, xingarem. Vi que era algo espiritual."

"Espíritos de pessoas mortas? Não, isso é outra coisa. São espíritos malignos. Há um reino deles, o reino das trevas." E esses seres, afirma, escolhem sobretudo "pessoas fracas espiritualmente" para lhes servir de canal com o mundo terreno.

O caso mais grave que diz ter visto: uma mulher que ficava trancada num quarto onde "coisas voavam" e "escritas com uma caligrafia linda" brotavam até no teto. Eram, segundo o padre, mensagens do possessor.

O Novo Testamento, aponta Jader, narra como Jesus é convocado para ajudar um garoto que "espuma, range os dentes e vai definhando". A força maligna lançava o endemoninhado "no fogo e na água, para o destruir".

Jesus então ordena: "Sai dele, e não entres mais nele". O menino fica "como morto", até que o filho de Deus o toma pela mão, e ele se levanta.

Os exorcistas contemporâneos contam com uma equipe "idealmente composta por especialistas em medicina, psiquiatria e psicologia, além de pessoas experimentadas na fé", segundo o padre João Paulo, da AIE.

Claro que nem tudo é coisa do capeta. É preciso discernir "uma possível ação extraordinária do maligno daquilo que é apenas consequência das más escolhas de vida ou de enfermidades naturais".

Mas o mundo vem presenciando "um aumento significativo da ação extraordinária do demônio", o que o clérigo credita ao "satanismo em alta" e ao "indiferentismo religioso".

"Muitos fiéis deixaram de viver em estado de graça", lamenta. Não vai faltar trabalho para os exorcistas.


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