Para maioria do STF, transexuais podem mudar nome sem fazer cirurgia
BRASÍLIA — Seis dos onze ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) votaram nesta quarta-feira para que transexuais tenham o direito de alterar o nome social e o gênero no registro civil, mesmo que a pessoa não tenha sido submetida a cirurgia de mudança de sexo ou tratamento hormonal. O julgamento foi interrompido e será concluído nesta quinta-feira. A decisão será tomada em uma ação com repercussão geral — ou seja, a regra valerá para todos os transexuais do país. Embora a questão não tenha sido finalizada, a votação já é considerada vitoriosa.
— A decisão do STF é importante porque pacifica um conflito de competência que antes levava alguns juízes a nem avaliar o mérito. Hoje, no Paraná, cerca de 80% dos pedidos são derrubados pelos magistrados. Isso é um reflexo do despreparo do Judiciário para atender essas demandas. Mas, agora, com o STF, mesmo que não entendam sobre isso vão ter que respeitar a decisão — afirmou Gisele Schmidt e Silva, advogada que atuou no processo e primeira trans a subir no plenário.
O relator, ministro Marco Aurélio Mello, propôs que fossem fixados na decisão critérios para a pessoa solicitar a mudança do prenome – entre eles, diagnóstico médico e idade mínima de 21 anos. No entanto, os outros ministros que votaram ponderaram que a legislação de registros públicos já contém regras para a alteração no prenome. A principal delas é o constrangimento que o nome pode trazer à pessoa. Esse tema será definido na sessão de amanhã.
Marco Aurélio disse, no voto, que a mudança só pode ser feita por decisão judicial. Os ministros Edson Fachin e Luís Roberto Barroso sugeriram que a mudança fosse feita diretamente em cartório, sem necessidade de passar por um juiz. Ainda não há maioria para nenhuma das duas soluções. Esse ponto também será definido na continuidade do julgamento.
Até agora, além do relator, de Fachin e de Barroso, votaram pelos direitos dos transexuais Alexandre de Moraes, Rosa Weber e Luiz Fux. O relator restringiu o voto apenas aos transexuais - ou seja, pessoas que não se identificam psicologicamente com o sexo biológico com que nasceram.
Os demais ministros defenderam que o benefício fosse estendido também para os transgêneros – que englobam categorias além dos gêneros feminino e masculino, como pessoas intersexo e bigênero. Ainda não há maioria para essa decisão também.
— Hoje é um dia muito importante para o Supremo. Estamos escrevendo uma página libertadora para um dos grupos mais estigmatizados da sociedade. Discriminar alguém por ser transexual, que é uma condição inata, é como discriminar alguém por ser latino-americano, ou por ser norte-americano, ou por ser árabe. Portanto, foge à razão — afirmou Barroso.
Uma nota expedida pela Corte Interamericana de Direitos Humanos em janeiro também pode ter contribuído para a decisão. Segundo o órgão, os Estados da OEA são obrigados a reconhecer o direito à identidade de gênero e providenciar uma forma rápida e eficaz de retificação da identidade, que não seja patológica, mas somente fundamentada na vontade da pessoa trans.
Pela decisão, do STF o cartório não expediria uma nova certidão de nascimento para transexuais, mas mudaria os dados no documento já existente. O motivo da mudança ficaria sob sigilo no cartório. Ministros que defendem a mudança de nome por decisão judicial sugeriram que o juiz expedisse ofício a todos os órgãos públicos para comunicar a alteração – como a Justiça Eleitoral, que emite o título de eleitor; a Polícia Civil, com a carteira de identidade; e a Polícia Federal, com o passaporte.
Pelos votos, as instituições ficariam obrigadas a mudar as informações de nome e gênero nos documentos. Essa medida tem o objetivo de evitar que a pessoa se submeta ao eventual constrangimento de ir aos órgãos para solicitar a alteração e ter de explicar o motivo. As instituições também teriam o dever de resguardar o sigilo das informações.
O STF começou a julgar esse tema em novembro do ano passado, no recurso de uma pessoa nascida com genitália masculina, mas que se reconhece no gênero feminino. Conhecida como Sara, a transexual pediu à Justiça que tivesse seu nome e designação de gênero alterada no registro civil, para evitar os preconceitos e constrangimentos pelos quais passou ao longo da vida. Na primeira instância da Justiça comum do Rio Grande do Sul, ela obteve a alteração do nome no registro civil, mas o sexo foi mantido como masculino.
Ela recorreu ao Tribunal de Justiça gaúcho – que, para a defesa, piorou a situação de Sara. O TJ determinou que fosse designada a condição de transexual na lacuna de gênero. Para a defesa, a mudança deixou a transexual ainda mais vulnerável a constrangimentos e preconceitos.
Na época, cinco ministros votaram – todos pelo direito de Sara de ter o nome civil mudado sem necessidade de cirurgia. Nesta quarta-feira, o tribunal retomou a discussão, mas em uma ação direta de inconstitucionalidade. Os ministros querem tomar a decisão em um processo de ampla repercussão para garantir o direito a todos os transexuais.
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