Denúncia de policial desmonta esquema dos “irmãos coragem”
Acostumados a alavancar audiência com denúncias bombásticas, foi uma denúncia vinda do fogo amigo que mudou o roteiro da trajetória vitoriosa dos “irmãos coragem” de forma espetacular.
A prisão dos policiais Moacir da Costa, conhecido como Moa, e de Mário Sabóia Neto, com armas e drogas, segundo o inquérito da Polícia Civil, foi o estopim.
Com medo pela própria vida, Moa, o ex-policial resolveu delatar as ações criminosas voltadas ao trágico de drogas, chefiada pelo apresentador do “Canal Livre” e do filho dele, Raphael Wallace Souza, para garantir a própria vida. O que seria o esquema dos irmãos Souza ganhava as manchetes da imprensa local.
Os fatos relatados por Moa foram comprovados com a “materialidade delitiva e presentes indícios de autoria”, de acordo com o Ministério Público do Estado (MP-AM), que apontou os irmãos como integrantes da “organização criminosa” que provocava mortes para exibir no programa e obter audiência.
Uma força-tarefa foi criada para investigar o caso, comandada pelo então Secretário de Inteligência da Secretaria de Segurança do Estado (SSP-AM), Thomaz Vasconcelos e o delegado Divanilson Cavalanti.
Durante os anos de 2008 e 2009, os policiais reuniram evidências buscando mostrar a participação do deputado Wallace Souza como chefe da citada organização.
Enquanto Wallace chamava de perseguição política, o inquérito policial mostrava que os irmãos Souza usavam o programa de televisão Canal Livre para obter informações privilegiadas sobre o funcionamento de bocas de fumo de traficantes concorrentes.
Segundo a denúncia, eles planejavam as reportagens do programa com objetivo de prejudicar a venda de drogas dos rivais e contavam com a participação de policiais do Departamento de Inteligência da Polícia Militar do Amazonas.
Além de Moa, foi mostrado o envolvimento de Wallace com outro traficante, o Frank Oliveira da Silva, o “Frankzinho do 40”, alvo de inúmeras denúncias do próprio Wallace no programa de TV por envolvimento no tráfico.
Mas a ligação do apresentador com o traficante foi comprovada pelo próprio Frankzinho, que tomou a providência de registrar fotos de uma reunião dele com o deputado, na qual Wallace encomendara a morte do traficante conhecido pelo nome de Bebetinho, desafeto de Raphael Souza. Bebetinho, que atuava com o pai, “Bebeto da Praça 14”, acusava Raphael de tê-lo roubado, foi assassinado e minutos após do crime, a equipe do programa de Wallace chegou ao local.
A denúncia teve grande repercussão no cenário político local. Enquanto os delegados reuniam provas cada vez mais robustas, o apresentador se apegava ao argumento de perseguição, negando conhecer “Moa”, outro argumento destruído pela divulgação de uma foto dos dois na piscina da casa do apresentador, evidenciando as suspeitas levantadas pela força-tarefa.
Wallace chegou a afirmar não saber que “Moa” era policial citado e que não tinha qualquer relacionamento maior com ele, pois o conhecia apenas por meio do seu filho, Rafael, que praticava artes marciais com “Moa” e de quem era amigo.
O argumento, no entanto, colocou o filho na cena do crime e oportunizou à polícia fazer buscas na casa dele, o que era impossível antes devido à imunidade parlamentar que ostentava.
PROVAS DO CRIME
Em abril de 2009, um mandado de busca e apreensão contra o filho, que morava com ele, permitiu a entrada da polícia na casa do ainda deputado, quando foram encontrados mais de R$ 200 mil em espécie, sem origem declarada, além de milhares de dólares, armas, uma lista escrita à mão, com nomes de traficantes mortos nos últimos anos e cápsulas de balas deflagradas.
Diante do volume de evidências incriminando Wallace e seu filho, a Assembleia Legislativa do Amazonas decidiu cassar o mandato do deputado no dia 1º de outubro de 2009.
Quatro dias após a votação, foi decretada a prisão preventiva do apresentador, que fugiu inicialmente, mas acabou se entregando à polícia oito dias depois. Sem imunidade parlamentar, o agora ex-deputado poderia ser julgado pelos supostos crimes.
Após a cassação, a saúde do ex-deputado piorou desde então.
Wallace sofria de ascite refratária decorrente da Síndrome de Budd Chiari, popularmente conhecida por “barriga d’água”. A primeira internação dele ocorreu no dia 2 de novembro de 2009, quando deixou a prisão para ser encaminhado à Beneficente Portuguesa, Centro de Manaus.
Com dores no abdômen e no tórax, Wallace ficou internado por três meses e meio, quando recebeu alta no dia 16 de fevereiro de 2010 e voltou para casa, para cumprir prisão em regime domiciliar. No dia 18 de março de 2010, foi transferido para o Hospital Bandeirantes, em São Paulo. No dia 11 de junho, já com complicações nos rins e nos pulmões. Wallace deu entrada na Unidade de Tratamento Intensivo, chegando a ficar sob coma induzido e respirando por aparelhos.
Durante todo esse período ele ficou sob guarda de agentes da Polícia Federal, mesmo com iniciativas da família para evitar isso. A família, inclusive, tentou transferi-lo para tratamento em Miami, nos Estados Unidos, mas o pedido foi negado pela Justiça.
Wallace Souza faleceu antes do julgamento, no dia 27 de julho de 2010, em decorrência de uma parada cardíaca.
ASSUNTOS: Caso Wallace