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Avanço de IA e blockchain no serviço público enfrenta falta de profissionais e de estrutura

Por Folha de São Paulo

27/06/2024 16h15 — em
Economia



RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) - Inteligência artificial capaz de detectar fraudes no INSS e reconhecimento facial para prova de vida que pode reduzir filas em agências da Previdência são recursos de que o setor público tem lançado mão na transição para um governo digital.

Tecnologia blockchain, que permite segurança de dados e integridade das informações, também tem sido aplicada para registrar dados cadastrais do cidadão, como nome e CPF.

Mas fatores como privacidade dos dados e falta de recursos físicos e humanos desafiam a expansão dessas ferramentas em serviços para o cidadão.

Hoje, a IA é usada principalmente para consumo interno dos órgãos públicos. A tecnologia facilita fluxos de trabalho e análise de dados, de modo a melhorar o andamento de processos no setor.

"Esse é o viés do serviço público de olhar mais para a eficiência governamental e menos para a relação com o cidadão. O embrião disso foram outros projetos de governo eletrônico, que sempre tiveram esse mote por trás", afirma Maria Alexandra Cunha, coordenadora da área de Tecnologias e Governos na FGV (Fundação Getulio Vargas).

Mas isso tem mudado, segundo ela, com mais os serviços voltados à população usando ferramentas de inteligência artificial e outras novas tecnologias.

As mais comuns são relacionadas a reconhecimento de imagem, como a biometria facial, e processamento de linguagem, quando a IA consegue entender e responder o usuário, como nos robôs de atendimento.

Esta é a quarta reportagem da série Governo Digital, de Vida Pública, uma parceria entre a Folha de S.Paulo e o Instituto República.org, que discute o presente e o futuro de avanços e entraves tecnológicos na gestão pública do Brasil.

No INSS, por exemplo, uma inteligência artificial que identifica padrões de texto é usada com o objetivo de prevenir fraudes no auxílio-doença. Para ter acesso ao benefício, o cidadão deve apresentar atestado de saúde. No entanto, há quem emita laudos falsos para obter o auxílio.

A IA cruza informações de todos os atestados, incluindo número do CRM e nome e assinatura do médico, para identificar se há indícios de fraude. Isso inclui laudos feitos por um mesmo profissional, mas assinados com padrões de letra muito diferentes.

O órgão de previdência também adota o reconhecimento facial para a prova de vida. Usuários podem fazer a comprovação pelo aplicativo do gov.br, sem precisar se deslocar ao atendimento nos órgãos pagadores.

"Ferramentas de reconhecimento facial estão cada vez mais complexas. Antes, o usuário colocava uma foto e o site reconhecia. Hoje, é preciso provar que de fato ali tem uma pessoa viva, então surgem comandos como 'afaste o celular', 'pisque os olhos'. Isso mostra que há alguém interagindo, e não simplesmente mostrando uma imagem", diz Fernando Osório, professor de computação na USP de São Carlos e membro do Centro de Inteligência Artificial da universidade.

O sistema de prova de vida é feito com apoio da AIBIO, plataforma da empresa Serpro (Serviço Federal de Processamento de Dados) com biometrias faciais de 220 milhões de brasileiros. Esse "banco de rostos" foi montado a partir das bases do TSE, da Secretaria de Governo Digital e da Carteira Nacional de Habilitação.

Com o reconhecimento facial, as plataformas on-line podem ter mais certeza da identidade do usuário, o que reduz chances de fraude. O recurso traz benefícios: no gov.br, o cidadão que cadastrar a biometria do rosto consegue uma conta de nível prata ou ouro, permitindo acesso a serviços como declaração do Imposto de Renda pré-preenchida.

Por outro lado, há preocupações sobre privacidade e segurança das informações dos usuários. Para 21% dos órgãos públicos, esse é um dos motivos para não usar a inteligência artificial, de acordo com o levantamento TIC Governo Eletrônico de 2023, lançado neste mês.

Nessa esteira, a blockchain, que funciona como um livro de registros digital, pode fornecer mais segurança por criptografar os dados cadastrados na rede. A ferramenta está sendo usada na CIN (Carteira de Identidade Nacional) para proteger informações do cidadão, como nome, data de nascimento e CPF.

"Vendemos nossa privacidade em troca de alguma coisa. Por isso, é preciso garantir a proteção dos dados, contratando gente capacitada em segurança da informação e criptografia", diz Fernando Osório, da USP.

A falta de profissionais é outro desafio para a implementação desses recursos. Dados da TIC mostram que 32% dos órgãos públicos federais e estaduais não adotam inteligência artificial por não terem servidores especializados nessas áreas.

Em 31% das instituições, os equipamentos são incompatíveis com tecnologias mais modernas, enquanto 30% enfrentam dificuldade em ter acesso a dados de qualidade para adotar esses recursos.

A blockchain tem um avanço ainda mais tímido: apenas 15% das instituições federais e estaduais adotam a ferramenta. O poder com maior adesão à rede é o Legislativo, em que 25% dos órgãos usam blockchain. Entre órgãos públicos, os de menor porte, com até 249 pessoas ocupadas, têm uma cifra de usuários de apenas 12%.

De acordo com Maria Alexandra Cunha, professora da FGV, o setor tem dificuldade para contratar e reter profissionais de TI. Esses especialistas têm um salário médio elevado, incompatível com a realidade de alguns órgãos públicos.

"No governo federal, há equipes muito preparadas na área de segurança digital. A desigualdade começa nos estados e municípios, com grandes problemas de capacitação, que vão se refletir na segurança", afirma a professora.

Tal quadro restringe o acesso a serviços digitais que facilitam a vida do cidadão. Só 19% das administrações estaduais e federais contam com robôs de atendimento, segundo a TIC. Entre poderes, o Judiciário e o Ministério Público têm os maiores índices de uso dos chatbots, com 41% e 42%, respectivamente.

Em nível federal, 31% dos órgãos têm esse atendimento automatizado. No Incra, por exemplo, o cidadão pode obter mais informações sobre o Certificado de Cadastro de Imóvel Rural com apoio do chatbot do órgão, via WhatsApp.

Esse robô foi desenvolvido pelo Serpro e pode ser adaptado para outros órgãos públicos. A ferramenta permite que até quem não tem conhecimento sobre programação crie um chatbot de atendimento, o que pode ajudar instituições sem uma equipe robusta de TI.

"Em um país desigual, a tecnologia é desigual", diz Maria Alexandra, da FGV. "A tecnologia pode excluir na prestação de serviços públicos, ainda mais aqueles que já estão à margem da sociedade. O desenho desses serviços digitais deve considerar a inclusão."


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O Portal do Holanda foi fundado em 14 de novembro de 2005. Primeiramente com uma coluna, que levou o nome de seu fundador, o jornalista Raimundo de Holanda. Depois passou para Blog do Holanda e por último Portal do Holanda. Foi um dos primeiros sítios de internet no Estado do Amazonas. É auditado pelo IVC e ComScore.

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