Com forte saída de dólares, BC deve continuar a atuar no mercado de câmbio nos próximos dias
BRASÍLIA, DF E SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Com a previsão de um forte fluxo de saída de dólares do Brasil, o Banco Central deve continuar a atuar no mercado de câmbio nos próximos dias para atender essa demanda.
Nessa época do ano, o aumento no envio de recursos ao exterior é esperada, mas dois fatores podem estar influenciando o apetite pela moeda norte-americana nestas semanas que faltam para o fim de 2024.
Um deles é o crescimento maior da economia brasileira do que o esperado, que leva as empresas a remeterem um volume maior de dividendos para a suas matrizes no exterior.
Outro fator que está no radar é o medo com o imposto mínimo sobre milionários, anunciado pelo governo do presidente Luiz Inácio da Silva (PT) para bancar a elevação da faixa de isenção do IRPF (Imposto de Renda da Pessoa Física) até R$ 5.000.
A nova tributação alcança a distribuição de lucros e dividendos, hoje isentos do Brasil. Não se sabe até agora se o governo vai insistir com a ideia de tributar, a partir do ano que vem, em 7,5% os dividendos remetidos ao exterior por pessoas jurídicas. A medida está em estudo no governo, disse o secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Dario Durigan, em evento organizado pela XP Investimentos, há alguns dias.
O mapeamento do fluxo de saída do dólar aponta que ainda há um volume bastante considerável de recursos para deixar o país, de acordo com integrantes do mercado de câmbio ouvidos pela reportagem. Além disso, a maior parte das remessas tende a deixar o país na metade final de dezembro.
Por enquanto, operadores de câmbio ouvidos pela reportagem afirmam que o fluxo, até o momento, não apresenta um aumento anormal.
O BC faz o seu próprio mapeamento de remessas ao contatar os 16 bancos com mesas de câmbio credenciadas junto ao órgão. Nessa comunicação, a autoridade monetária consegue calibrar as suas projeções de demanda da moeda norte-americana. Dessa forma, é possível saber, por exemplo, se uma empresa de óleo e gás precisa de um grande volume de dólares para enviar ao exterior. Caso os bancos não tenham este valor para dar saída ao montante, o BC programa leilões e avalia o melhor instrumento de atuação no mercado -leilão de linha, swap cambial ou venda à vista de dólares.
Em épocas de Selic alta, como atualmente (a taxa básica está a 12,25% ao ano), bancos não costumam deixar as suas tesourarias com muito dólar, dado o aumento no custo da operação. Dessa forma, intervenções do BC se fazem mais necessárias.
O objetivo final desses leilões não é baixar o preço do dólar, apenas aumentar a disponibilidade da moeda no mercado. A queda na cotação, porém, costuma ser uma consequência. Para reduzir a cotação de forma efetiva, seria necessário o BC colocar volumes maiores do que ele costuma nestes leilões. Desde a semana passada, o BC injetou mais de US$ 10 bilhões no mercado de câmbio, mas o dólar segue em alta.
Quando o BC anuncia esses leilões, diversos operadores do mercado de câmbio veem a oportunidade de adquirir a moeda a um preço abaixo do de mercado, o que aumenta as ordens de compra, levando a cotação a acelerar o movimento de alta. Na manhã desta terça, o dólar chegou a R$ 6,20, mas logo em seguida baixou para R$ 6,16.
DIFICULDADE PARA APROVAR PACOTE DE GASTOS AUMENTA PERCEPÇÃO DE RISCO
Apesar de a sazonalidade aumentar a demanda, analistas avaliam que o atual patamar do câmbio se deve principalmente à aversão ao risco, dado a desconfiança do mercado com o compromisso fiscal do governo. A impressão é que Lula, na segunda metade do mandato, não irá cortar gastos de forma significativa.
"No momento em que deveríamos estar comemorando os bons números da atividade, o que de fato domina a visão de analistas e agentes econômicos é a preocupação com as consequências de não termos uma postura mais enfática frente à dinâmica da dívida pública", afirma Danilo Igliori, economista-chefe da Nomad.
A percepção de risco piorou após o anúncio do pacote de contenção das despesas, em novembro. Para os agentes do mercado, as medidas anunciadas revelaram uma baixa tolerância do governo a desacelerar a economia e a reduzir gastos, e a comunicação errática no anúncio do pacote piorou o quadro. O risco que está na conta é que, em 2026, o governo abandone as restrições do arcabouço fiscal (a nova regra das contas públicas) para ganhar as eleições.
"Acaba sendo pouco eficaz a intervenção no câmbio. Contém um pouco o movimento, mas não reverte a tendência negativa e o prêmio de risco se desloca para o mercado de juros", avalia Sergio Goldenstein, ex-chefe do Demab (Departamento de Mercado Aberto) do BC e hoje estrategista-chefe da Warren Investimentos.
Para Goldenstein, o medo da tributação não é o principal fator de saída. "Os outros ativos domésticos também estão se deteriorando fortemente. O principal fator é a piora da percepção de risco sobre o cenário fiscal."
Para o ex-diretor do BC, Carlos Thadeu de Freitas, a autoridade, sabendo do fluxo sazonal, deveria ter começado a vender dólares bem antes.
"O Roberto Campos Neto [atual presidente do BC] sabia disso. Devia ter vendido bastante. Mas como a decisão não é só dele, colocou o Gabriel Galípolo [diretor de política monetária e futuro presidente] no fogo, que está sendo chamado", avalia Freitas.
Para ele, nem toda a pressão sobre o dólar é em decorrência da incerteza fiscal. "A consequência é que os bancos vão revender a sobra para o BC com lucros se ele demorar demais para atender a demanda sazonal do mercado", diz Freitas.
Além do dólar, os juros futuros também estão em trajetória de alta, sinalizando uma Selic acima de 15% nos próximos anos.
"A resistência do câmbio em voltar para baixo dos R$ 6 reflete a deterioração nas expectativas com relação à economia brasileira", diz Igliori, da Nomad.
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