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Crítica de Zuckerberg à Califórnia é só para Trump ver, diz ex-diretora

Por Folha de São Paulo

14/01/2025 14h00 — em
Economia



SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Entre as mudanças anunciadas na terça-feira (6), o CEO da Meta, Mark Zuckerberg, destacou que tiraria as equipes de moderação de conteúdo da Califórnia para "lugares onde há menos preocupação com o viés das equipes". Mas a maior parte desse setor já estava em bastiões conservadores dos Estados Unidos, como Texas e Arizona, afirmou a ex-diretora de assuntos governamentais do conglomerado Katie Harbath.

Ela diz que a empresa tirou da Califórnia seus times de segurança e moderação em função dos altos salários e maior tributação, segundo a ex-diretora. Isso, argumenta, dificulta que funcionários se organizem para contestar mudanças ou expressar insatisfação.

Por isso, pouco deve mudar na forma como as plataformas do grupo (Facebook, Instagram e Threads) aplicam as diretrizes da comunidade, afirmou à reportagem Harbath, que hoje trabalha na consultoria Duco Experts. Procurada, a Meta afirmou que não iria comentar.

Segundo a executiva, quem ainda está na Califórnia, em Menlo Park, é apenas a liderança dessas equipes, e a mudança desse grupo para escritórios texanos não deve ter efeito em quem faz a moderação de conteúdo na ponta —que, de acordo com a fala de Zuckerberg, estaria enviesado

"Vamos mudar nossas equipes de confiança e segurança e moderação de conteúdo para fora da Califórnia, e a revisão de conteúdo nos EUA será baseada no Texas. Enquanto trabalhamos para promover a liberdade de expressão, acredito que isso ajudará a construir confiança ao realizar esse trabalho em locais onde há menos preocupação com o viés de nossas equipes", disse ele em seu pronunciamento.

De acordo com Harbath, esse trecho do pronunciamento é uma cortesia a Donald Trump e a Elon Musk, que moveu a sede do X (ex-Twitter) para o Texas após comprar a plataforma. "As eleições americanas influenciam o comportamento da companhia em todo o mundo pelos próximos quatro anos," disse Harbath.

"Mesmo que a Meta tenha uma atuação global, ela é uma empresa americana, é natural que esteja mais alinhada aos interesses americanos", complementou. Nos Estados Unidos, os republicanos, além de Trump na Presidência, têm maioria no Congresso e na Suprema Corte.

O GOP (Grand Old Party), como o partido republicano é conhecido nos EUA, já pressionava as plataformas por mudanças na moderação, devido a uma suposta prática de censura ao remover conteúdos ofensivos a LGBTQIA+, migrantes e minorias étnicas. "Zuckerberg cedeu à influência", resume a ex-executiva da Meta. O texto que orienta a política de moderação também foi alterado para permitir ofensas a essas minorias.

Para o diretor do ITS-Rio (Instituto Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro), João Victor Archegas, a menção ao Texas é mais um sinal da sujeição da Meta ao trumpismo. O estado americano, junto com a Flórida, aprovou uma regulação em 2021 que prevê punição às redes sociais quando as empresas etiquetarem, removerem ou reduzirem a exposição de uma publicação.

A lei foi aprovada após filtros do Facebook removerem uma reportagem do New York Post sobre um suposto caso de tráfico de influência do filho de Joe Biden, Hunter Biden, com uma companhia ucraniana, com base em informações vazadas de um laptop. O caso não foi comprovado, mas outros dados do computador levaram à condenação de Hunter por mentir sobre uso de drogas em um formulário para ter direito a porte de armas.

Os legisladores argumentaram que a medida visa conter um viés contrário aos conservadores percebido por eles na aplicação de regras da comunidade. A regulação impõe que as plataformas entreguem um relatório anual às autoridades locais justificando cada restrição imposta por seus times de segurança.

Duas entidades de pressão, das quais a Meta faz parte, questionaram a legalidade das regras texana e floridense à Suprema Corte americana, que repassou o caso para instâncias inferiores. Ainda não houve decisão sobre o tema.

A mudança para o Texas também sinaliza um apoio à essa lei de moderação de conteúdo, considerada mais protetiva à liberdade de expressão, avalia Archegas. "Isso acaba se transformando também numa boa desculpa [para deixar de moderar conteúdo] no futuro."

Ao citar o suposto viés dos californianos, o fundador do Facebook tentaria se eximir da culpa pelos erros de moderação, avaliou o advogado Caio Machado, cofundador do Instituto Vero. "Quem é o grande formulador das políticas da Meta é a própria direção da empresa que responde ao próprio Zuckerberg."

Harbath afirmou que o CEO é um líder centralizador. "A mudança recente na diretoria de assuntos governamentais, agora sob o republicano Joel Kaplan, não deve ter grandes efeitos, pois todas as decisões passam por Zuckerberg."

De acordo com os especialistas, o gigante das redes sociais escolheu evitar um conflito com o presidente atual por uma questão de custos políticos e econômicos. "Trump é belicoso, com pouco compromisso com institucionalidade, disposto a fazer interferências muito explícitas, econômicas e legais, contra seus adversários", disse Machado.

A ex-diretora da Meta acrescenta que a guinada republicana de Zuckerberg deve intensificar o lobby da big tech em prol do modelo americano de regulação das plataformas, com baixa interferência nos negócios e nas publicações, e contra o modelo europeu —conhecido por salvaguardas para a integridade da informação e proteção de dados.

Por outro lado, segundo ela, "o Brasil e a Índia são dois dos maiores mercados consumidores da Meta e devem mobilizar uma atenção especial da companhia nessa linha de frente".


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O Portal do Holanda foi fundado em 14 de novembro de 2005. Primeiramente com uma coluna, que levou o nome de seu fundador, o jornalista Raimundo de Holanda. Depois passou para Blog do Holanda e por último Portal do Holanda. Foi um dos primeiros sítios de internet no Estado do Amazonas. É auditado pelo IVC e ComScore.

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