Efeitos das mudanças climáticas exigem adaptação do mercado de seguros
POÇOS DE CALDAS, MG (FOLHAPRESS) - Os efeitos das mudanças climáticas são um desafio para a precificação de produtos no setor de seguros. Para compor seus preços, seguradoras costumam avaliar uma série histórica de eventos na tentativa de entender a probabilidade de um sinistro acontecer em um determinado local. A imprevisibilidade de catástrofes climáticas, porém, impacta o cálculo de riscos.
Segundo o presidente da CNseg (Confederação Nacional das Empresas de Seguros Gerais, Previdência Privada e Vida, Saúde Suplementar e Capitalização), Dyogo Oliveira, os incidentes climáticos mudam as séries históricas, dificultando a precificação.
Dada a maior dificuldade na elaboração de modelos estatísticos, há uma tendência de mudança do modelo "histórico" para modelos preditivos, que usam projeções de impacto, com cálculos mais complexos para prever eventos.
"Hoje, a grande dificuldade do setor em relação a mudanças climáticas é como adaptar os modelos de precificação e avaliação de risco para incorporar esses eventos atípicos, não recorrentes", diz Oliveira.
Uma das propostas que têm sido discutidas pelo setor é a criação de um seguro social contra catástrofes. A ideia consiste em uma cobrança adicional na conta de luz de cada unidade residencial, com pagamento de indenização em caso de sinistro.
Arnaldo Bechara, diretor de automóvel, riscos diversos massificados e precificação na seguradora Tokio Marine, concorda que há, atualmente, uma necessidade de sofisticar análises preditivas, para que as empresas consigam estimar com maior precisão quando eventos climáticos vão ocorrer e qual o tamanho de seus impactos.
No contexto das chuvas que atingiram o litoral norte paulista no início de 2023, a empresa desembolsou indenizações que alcançaram R$ 35,5 milhões. Foram registrados sinistros para seguro residencial, condominial, riscos de engenharia, empresarial, operação portuária e, o mais comum, automotivo.
De acordo com dados da Susep (Superintendência de Seguros Privados) -autarquia subordinada ao Ministério da Fazenda-, em maio de 2023, foram registrados 86,7 mil sinistros para seguro residencial no Brasil. Em 2024, o mesmo mês registrou 240,4 mil sinistros na mesma modalidade.
Há, ainda, uma lacuna na organização do setor no Brasil. Hoje, os seguros acionados não são registrados segundo uma classificação climática. Na prática, isso significa uma dificuldade adicional para o cálculo dos impactos ambientais no setor.
Em junho passado, a Susep instituiu um grupo de trabalho para discutir aspectos regulatórios relacionados ao plano de transição ecológica do governo federal, lançado em fevereiro.
Em nota, a Susep disse estar conduzindo um projeto para a implementação de um "sistema de registro de operações" que vai possibilitar "de forma granular e pormenorizada, o acompanhamento pelo supervisor dos contratos, incluindo os eventuais sinistros associados e suas respectivas coberturas acionadas, abarcando os eventos climáticos".
Apesar dos desafios do setor, a CNseg ainda não vê, para o Brasil, um cenário tão complicado quanto o que já se observa lá fora.
Dados da confederação mostram que, em 2023, o mercado segurador brasileiro cresceu 10,4%. O seguro habitacional, obrigatório para financiamentos imobiliários, cresceu 13,4%, acompanhando o momento do setor imobiliário.
"A gente tem percebido que, em virtude desses eventos, as pessoas passaram a ficar mais atentas às necessidades de ter um seguro. Isso tem acontecido com seguro de vida, com o residencial, em vários setores", conta Oliveira.
Newsletter Folha Mercado Receba no seu email o que de mais importante acontece na economia; aberta para não assinantes. *** Na avaliação do presidente da CNseg, o principal gargalo do setor, no Brasil, ainda é a baixa quantidade de segurados. A confederação avalia que, no contexto da tragédia que atingiu o Rio Grande do Sul, por exemplo, apenas 5% do total de bens perdidos estava segurado.
Seguro social contra catástrofes
Na tentativa de aumentar o número de segurados e fortalecer o setor, a CNseg tem pensado em uma fórmula de seguro social contra catástrofes. Ainda em fase de discussão, a ideia consiste, até o momento, na cobrança de uma tarifa de aproximadamente R$ 3,00 na conta de luz de cada unidade residencial do país. Em caso de catástrofes, os segurados dentro das áreas atingidas teriam direito a um prêmio de R$ 15 mil.
A ideia é criticada por se assemelhar a um novo imposto que pesa de maneira desigual entre ricos e pobres e por focar no pagamento de indenizações, ao invés de priorizar a prevenção dos desastres.
Lá fora, exemplos de sucesso vão na contramão da proposta. Em entrevista à Folha de S.Paulo durante os primeiros dias da catástrofe no Rio Grande do Sul, Natalie Unterstell, presidente do Instituto Talanoa, que trabalha com políticas públicas voltadas às mudanças climáticas, destacou o caso da Indonésia. O país adotou desconto em impostos para o cidadão que adotar medidas adaptativas.
No artigo "Mudança Climática e Seguro", publicado na revista Economy and Society, em 2021, pesquisadores da Universidade da Califórnia, da London School of Economics e da Universidade Tampere, na Finlândia, identificaram uma mudança --ainda que retórica-- na abordagem do setor às mudanças climáticas.
O foco, que antes estava na sobrevivência econômica do setor, passou a ser o papel das seguradoras na governança dos riscos associados às mudanças climáticas.
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