França tem razões econômicas para aprovar acordo UE-Mercosul, mas não o fará
BERLIM, ALEMANHA (FOLHAPRESS) - Estudo da Comissão Europeia mostra que o comércio com o Mercosul sustenta 855 mil empregos no continente, 244 mil deles na Alemanha (28%). É apenas uma das métricas que demonstram a importância da assinatura do tratado comercial entre os blocos. Pelo menos para os alemães, emparedados por uma economia estagnada, disputa comercial com a China e as ameaças de Donald Trump.
A Alemanha é o país europeu que mais exporta para o grupo, 15,4 bilhões de euros (R$ 99 bilhões), e o terceiro que mais importa, 6,3 bilhões de euros (R$ 40 bilhões). A indústria automobilística e o setor químico, convivendo com anúncios locais de greves e cortes, ganharia substancialmente com o corte de tarifas -91% dos produtos comercializados ficariam isentos pelo tratado.
Tudo isso vale também para a França, em crise política e financeira ainda mais aguda que a do vizinho. Michel Barnier se tornou o primeiro premiê a ser derrubado pela Assembleia Nacional desde Georges Pompidou nos anos 1960, e a insolvência francesa parece temerariamente à vista, com os títulos do país pagando juros como os papéis gregos.
Porém os franceses são contra o acordo. Do presidente Emmanuel Macron à Reunião Nacional de Marine Le Pen, dos fazendeiros ao CEO do Carrefour, as razões do maior produtor agrícola da Europa são internas, políticas e podem mergulhar o país em um caos. Mesmo antes de a Comissão Europeia se pronunciar ou não sobre um acordo com o Mercosul nesta semana, as centrais ruralistas do país já marcaram a volta dos tratores às ruas e estradas do país para a próxima segunda-feira (9).
Os sul-americanos se reúnem nesta quinta (5), em Montevidéu, para a última reunião do grupo sob a presidência uruguaia. Como a Argentina de Javier Milei, crítico do Mercosul, é o próximo país a comandar os trabalhos da entidade, a expectativa na Europa é que o assunto morrerá de novo se uma assinatura não sair agora.
Há outros motivos econômicos para a França rever seu posicionamento. O acordo prevê uma série de medidas que interessam ao comércio do país, como o respeito a 350 denominações de origem geográfica. Por exemplo (e o exemplo dado na apresentação da Comissão Europeia é providencialmente francês), o queijo Roquefort ganha exclusividade de nome e características.
Um produtor brasileiro ou argentino terá que descrever seu assemelhado de outra forma, que não faça referência ao original. Até subterfúgios ficam banidos, como expressões ("tipo", "estilo") ou símbolos (bandeiras, mapas).
Dentro da União Europeia, a França é o segundo maior exportador para o Mercosul, com 8,6 bilhões de euros (R$ 55 bilhões), e apenas o quinto importador do bloco, com 4,1 bilhões de euros (R$ 26 bilhões). Os dados colhidos pela Comissão Europeia estão defasados, mas é evidente que o acordo traria mais dinamismo nas transações. Em 2023, a UE exportou 55,7 bilhões de euros (R$ 355 bilhões) para o Mercosul, pouco mais de um décimo do que transaciona com os EUA.
A maior parte do que chega à Europa, 32,4%, são alimentos, justamente a preocupação francesa. O tratado prevê cotas de importação, e o volume com tarifa mais baixa corresponde a menos de 2% do consumo europeu. Ainda assim, a França teme uma inundação de produtos mais baratos, como a carne brasileira. A Irlanda, quinto maior produtor mundial, também vê esse aspecto do acordo com preocupação.
Aqui entram os argumentos ambientais e sanitários, repetidos como mantra por políticos e agricultores franceses. O curioso é que, na barganha da negociação interna, a Comissão Europeia acenou com limites ambientais menos rígidos para as fazendas europeias.
Também prometeu acréscimo nos 60 bilhões de euros (R$ 382 bilhões) em subsídios que reserva ao setor, a maior despesa do Orçamento do bloco.
Se do ponto vista brasileiro soa como hipocrisia e protecionismo, do lado europeu a questão é mais complexa. Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, assumiu seu segundo mandato no último fim de semana equilibrando-se diante de um Parlamento mais inclinado à direita. Extremistas da Casa reputam a estagnação econômica do continente ou parte dela às severas exigências ambientais.
Von der Leyen reagiu ao novo cenário. Sua prioridade principal anterior, um abrangente arcabouço de proteção ambiental e transição energética, foi apensada agora com uma política de modernização da indústria europeia. Ampliar o alcance do bloco para um quinto da economia global, resultado que seria obtido com o pacto transatlântico, se encaixa nos planos.
Concorre para a assinatura também razões geopolíticas. Abrir o mercado sul-americano aos carros alemães seria uma forma de driblar as ameaças tarifárias de Trump, para ficar no caso mais óbvio. Da mesma forma, é estratégico assegurar o acesso a minerais necessários à transição energética e depender menos da China.
Depois de alimentos, o setor mineral já é responsável pela segunda maior fatia da importação europeia do Mercosul, com 29,6%.
A grave crise política na França é levada em consideração. Caso contrário, o anúncio do acordo já teria sido feito, de acordo com analistas. Apenas a porção comercial do tratado original seria fechada, o que deixaria sua aprovação a cargo de uma maioria simples no Parlamento. Os franceses teriam então que garantir a adesão de ao menos quatro países à dissidência, o que já existe (França, Polônia, Áustria e Holanda), e o correspondente a 35% da população europeia, conta que não fecha.
Para derrubar o tratado no voto, o grupo precisaria atrair a até aqui indecisa Itália, outra economia que se beneficiaria com a ampliação do mercado. Empresas europeias, muitas italianas, têm 380 bilhões de euros (R$ 2,42 trilhões) de investimentos feitos nos países do Mercosul.
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