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Profissionais públicos relatam preconceito e impotência na assistência à pobreza

Por Folha de São Paulo

12/01/2025 13h15 — em
Economia



RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) - Servidores públicos de municípios, estados e da União precisam atuar em diferentes frentes no combate à pobreza pelo país, desde o apoio a pessoas em situação de rua até a construção de políticas de transferência de renda.

No trabalho, esses profissionais afirmam lidar com o sentimento de impotência e com o preconceito contra pessoas pobres. Mas eles afirmam encontrar alento e propósito nos resultados positivos dos programas sociais em que estão engajados, como o Bolsa Família.

Vitor Santana, 38, trabalha para que comunidades mais vulneráveis consigam acesso a um item básico para a sobrevivência: a água potável. Há 13 anos como especialista em políticas públicas do governo federal, ele atuou na maior parte da carreira com o programa cisternas, que implementa tecnologias de baixo custo para promover o acesso à água própria para consumo.

O programa atende pessoas de baixa renda, a maioria em comunidades rurais isoladas, principalmente na região do semiárido e na Amazônia. Enquanto na primeira há secas recorrentes e água subterrânea insalubre, na segunda, apesar da abundância de rios, a água costuma ter baixa qualidade.

Vitor atua na gestão do projeto, desde a construção de novas cisternas até o acompanhamento das cidades onde elas já foram implementadas.

"São famílias que estão o mais distante possível do Estado e do acesso a políticas públicas. Talvez poucos projetos tenham tanto impacto e cheguem de forma tão efetiva a essas populações como o programa cisternas", diz.

Para ele, a logística é o principal desafio de atuar no acesso à água. Organizar a construção das cisternas exige treinar mão de obra e levar material a locais remotos, que, em alguns casos, ficam a dias de viagem dos centros urbanos.

Por outro lado, Vitor afirma que as experiências mais marcantes vêm do contato com os beneficiários do programa, que têm as cisternas como única forma para acessar água potável.

"Uma solução tão simples e de baixo custo acaba transformando completamente a vida dessas pessoas. À medida que se oferece uma alternativa para as famílias, elas passam a ter mais de esperança em relação ao futuro."

Elder Gabrich, 34, também atua na gestão de políticas públicas, mas com foco em programas de transferência de renda. Ele é servidor de Minas Gerais desde 2013 e, hoje, trabalha na Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social.

Elder diz que profissionais da área precisam sempre reforçar com agentes públicos a importância de benefícios sociais. Isso porque, segundo o servidor, estereótipos sobre a população de baixa renda podem impactar no investimento da gestão pública em iniciativas do tipo.

"Por causa do preconceito de achar que a pessoa é pobre porque não gosta de trabalhar, há uma dificuldade de colocar isso como prioridade na agenda pública, já que uma parte da população acredita que não é importante", afirma.

Na pandemia da Covid-19, Elder foi gerente do programa Renda Minas, para ajudar pessoas em extrema pobreza afetadas pela crise de saúde. Pelo trabalho, ele ganhou, em 2021, o Prêmio Espírito Público, dado a servidores que se destacam em suas áreas de atuação.

Para o servidor, a principal motivação para atuar no desenvolvimento social é saber que ele trabalha para a população que mais necessita de apoio do governo.

"É uma entrega direta, com pessoas que precisam de ajuda imediata e que correm risco de vida, por não ter um bem necessários para a sobrevivência."

No caso Ivana Ramos, 36, o contato com a comunidade mais carente de Salvador (BA) é direto e constante. Ela trabalha na prefeitura há 14 anos e, como assistente social, atende a população em situação de rua.

Na função, ela tenta convencer essas pessoas a buscarem uma unidade de acolhimento, que conta com outros profissionais de assistência social, além de alimentação e espaço para dormir.

Mas não é uma tarefa fácil. Segundo a servidora, há muitos que, mesmo debilitados, querem permanecer na rua por não se sentirem à vontade em unidades de acolhimento.

"Às vezes, lutamos para conseguir a vaga no abrigo e, depois de dois dias, a pessoa volta para a rua. É um balde de água fria na gente, mas entendemos que estamos aqui para isso, que é a nossa função como profissional lutar para garantir direitos."

O principal para os servidores nesse processo é estabelecer uma relação de confiança com a pessoa, de acordo com Ivana. A partir daí, é mais fácil ajudá-la a entender a própria situação e a aceitar o apoio dos profissionais.

Também há servidores que se sentem motivados por atuarem com equipes experientes, que acreditam no impacto do que estão fazendo. É o caso de um especialista em políticas públicas vinculado ao governo federal que, a pedido, preferiu manter anonimato.

Ele atuou por 18 anos no Bolsa Família. Participou de uma equipe voltada a parcerias, em que os dados do CadÚnico eram usados para outros projetos sociais do governo. Entre eles, a ampliação da TV digital, em que os inscritos no cadastro puderam fazer a troca gratuita para a televisão mais moderna.

O trabalho dos servidores dessa área foi muito afetado quando o Bolsa Família foi extinto para dar lugar ao Auxílio Brasil, segundo o profissional. Famílias pequenas passaram a receber o mesmo valor que grupos maiores e o benefício era dado sem critérios muito claros, segundo ele.

Os servidores precisaram fazer uma revisão dos cadastros quando o antigo Bolsa Família foi instituído: no início deste ano, 1,7 milhão de famílias unipessoais foram excluídas do programa.

Esse especialista também já teve que lidar, no próprio setor público, com o preconceito contra pessoas mais pobres e beneficiárias de iniciativas sociais. Ele diz que, apesar disso, os servidores de assistência atuam para desconstruir os estereótipos perpetrados por outros profissionais -e, em alguns casos, conseguem cumprir a missão.


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