Saída de dólares do Brasil em 2024 é a terceira maior da série histórica
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O Brasil registrou em 2024 um fluxo cambial negativo de US$ 15,918 bilhões, a terceira maior saída líquida anual de dólares do país na série história do BC (Banco Central), iniciada em 2008. Os dados ainda são preliminares, até o dia 27 de dezembro.
O resultado só perde para os registrados em 2019 e 2020, durante o governo Jair Bolsonaro, quando as saídas líquidas foram de US$ 44,768 bilhões e US$ 27,923 bilhões, respectivamente. Foram anos marcados pelas taxas de juros menores, volatilidade do câmbio e pela pandemia de Covid-19.
Em 2024, o dólar acumulou alta de 27% e encerrou o ano cotado a R$ 6,18. O câmbio foi pressionado por três principais motivos, segundo especialistas consultados pela reportagem: um doméstico e dois internacionais.
Da ponta interna, o período foi marcado pelo acirramento das preocupações do mercado com o cenário fiscal brasileiro. "É essa a grande justificativa pela saída expressiva de dólares daqui", diz Wagner Varejão, especialista da Valor Investimentos.
Na análise dos agentes financeiros, o governo Lula tem coberto gastos crescentes com receitas pontuais, o que ameaça a longevidade do arcabouço fiscal e a estabilidade das contas públicas.
O equilíbrio econômico de um país é um dos principais fatores levados em consideração por investidores internacionais na hora de tomar decisões de investimento. Se há fatores de insegurança em jogo, é comum que os operadores escolham ativos mais seguros como o dólar para proteger seus recursos.
"Quando você tem um endividamento público explosivo em um determinado país e a percepção de que o governo não vai conseguir conter esse crescimento, os investidores se sentem menos confortáveis de investir nele", diz Thais Zara, economista-sênior da LCA Consultores.
Nicola Tingas, economista-chefe da Acrefi (Associação Nacional das Instituições de Crédito, Financiamento e Investimento), lembra que a taxa de câmbio é a maior síntese de toda uma economia. Quando ela está desvalorizada, representa um risco de que alguma coisa está com problemas.
"E, no caso, a nossa pressão relativa em relação ao dólar vem piorando por conta do cenário externo, das taxas de juros americanas, que ainda estão num patamar histórico muito alto e da percepção conjunta de que o risco americano é melhor do que o brasileiro. E aqui dentro, evidentemente, o maior gatilho para a violenta deterioração caminhada foi exatamente o risco fiscal."
Ele acrescenta que os agentes estrangeiros tentam se antecipar a problemas futuros. "Olhando para 2025, o que a gente pode se perguntar é se há um cenário de valorização do real de volta ou de maior desvalorização. O governo, principalmente, o presidente Lula, precisaria sinalizar um compromisso com a consistência fiscal bem além da retórica. Ele precisaria, de fato, instrumentalizar e dar poder para o seu ministro da Fazenda para fazer um ajuste fiscal que seja efetivo."
No acumulado do ano, a via financeira foi negativa em US$ 84,396 bilhões, resultado de US$ 589,989 bilhões em compras e US$ 674,385 bilhões em vendas por esse canal, são realizados investimentos estrangeiros diretos e em carteira, remessas de lucro, pagamento de juros, entre outras operações. Trata-se do maior saldo negativo da série histórica.
Já o saldo do comércio exterior foi positivo em US$ 68,478 bilhões em 2024, com exportações de US$ 298,456 bilhões e importações de US$ 229,978 bilhões.
Para o economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale, a forte saída de dólares em 2024 é um efeito da deterioração fiscal que tem sido construída nos últimos dois anos.
"Nós temos uma economia aquecida pela própria política fiscal, que eleva a inflação e demanda juros mais elevados. Isso demandaria um esforço fiscal no primário ainda maior por conta do impacto dos juros", disse.
Vale afirma que houve forte saída de capitais mesmo com os juros elevados, que em tese tornariam a injeção de dólares no Brasil mais atrativa para investidores estrangeiros.
"Essa percepção de risco em relação ao fiscal não tem sinais de melhorar ao longo desse ano e a saída de capitais poderá continuar, e o risco de vermos o câmbio chegar a R$ 6,50 nos próximos meses é muito alto".
A pressão do mercado é por mais cortes nas despesas. No último dia de plenário, 20 de dezembro, o Congresso Nacional aprovou uma série de medidas de contenção de gastos apresentadas pelo Executivo no final de novembro.
A estimativa do Ministério da Fazenda era de uma economia de R$ 70 bilhões entre 2025 e 2026. Mas o pacote foi enfraquecido na tramitação, e cálculos iniciais estimam que até R$ 20 bilhões da conta original vão deixar de ser poupados.
O anúncio do pacote fiscal, combinado ao de uma reforma no Imposto de Renda, fez o dólar cruzar a marca de R$ 6 no final de novembro período em que já é esperado um estresse adicional no mercado de câmbio por conta do forte fluxo de remessas internacionais.
Só em dezembro, o fluxo cambial total foi negativo em US$ 24,314 bilhões, movimento também puxado pela via financeira. Desse total, houve saída de US$ 26,042 bilhões pelo canal financeiro e entrada de US$ 1,728 bilhões pelo canal comercial.
Na semana passada, de 23 a 27 de dezembro, em que não houve transações no dia 25 por conta do Natal, o fluxo cambial total foi negativo em US$ 5,887 bilhões.
A demanda por dólares motivou uma série de leilões da moeda pelo BC nas últimas semanas. Foram 14 intervenções só no mês de dezembro, com mais de US$ 32 bilhões injetados no mercado.
Na prática, os leilões aumentam a quantidade de dólares disponíveis aos investidores e, assim, atenuam disfuncionalidades nas negociações. É a lei da oferta e demanda: quanto mais moeda puder ser comprada, menor vai ser a cotação dela.
A chegada à marca de R$ 6 também é atribuída a fatores internacionais: as expectativas sobre a economia dos Estados Unidos sob Donald Trump, que tomará posse no próximo dia 20 de janeiro, e a política monetária do Fed (Federal Reserve, o banco central norte-americano).
Caso cumpra as promessas de campanha, Trump aumentará tarifas e fará deportações em massa. "São medidas consideradas inflacionárias e nada triviais. Vão forçar o Fed (Federal Reserve, o banco central dos EUA) a manter juros altos e eventualmente até subir a taxa, o que pode pesar ainda mais no dólar", diz Paulo Gala, economista-chefe do Banco Master.
Os juros norte-americanos estão atualmente na faixa de 4,25% a 4,5%, depois de um corte de 0,50 p.p. e outros dois de 0,25 p.p no último semestre. As previsões de uma inflação acelerada com Trump, somadas a dados econômicos mais benignos, fizeram a autoridade monetária sinalizar um ritmo mais lento de flexibilização no próximo ano.
A economia dos EUA é considerada a mais segura do mundo e, em tempos de juros altos, é comum que investimentos saiam de outros países e sejam dirigidos para lá. Isso fortalece o dólar e enfraquece mercados de maior risco, como os emergentes e os de renda variável.
A previsão é que o dólar continue em patamares elevados em 2025. No último boletim Focus de 2024, economistas consultados pelo BC (Banco Central) passaram a prever que a moeda encerre o ano em R$ 5,96.
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ENTENDA O FLUXO CAMBIAL DO BRASIL REGISTRADO PELO BC
O fluxo cambial, monitorado pelo Banco Central, é composto por dois principais canais que refletem como dólares entram e saem do país: o canal comercial e o canal financeiro.
Canal comercial
Representa a soma das entradas de divisas estrangeiras no país resultantes de bens e serviços vendidos ao exterior (exportações) com as saídas para pagar os adquiridos no exterior (importações), refletindo o desempenho do setor externo.
Canal financeiro
Representa o saldo de entradas e saídas de dólares por meio de Investimentos Estrangeiros Diretos (IED), remessas de lucros e dividendos por empresas multinacionais no país, empréstimos e financiamentos internacionais etc. É mais influenciado pelas taxas de juros, percepção de risco e expectativas sobre a economia do país.
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