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'Sou um gênio da bola', diz Dineílson, que sobreviveu mais um ano consertando-as

Por Folha de São Paulo

02/01/2025 9h00 — em
Economia



SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Sentado com a esfera presa entre as pernas e agulha na mão, Dineílson Francisco do Santos, 50, não resiste à brincadeira.

"Eu sou um gênio da bola."

Ele não está errado. Faz parte do seu repertório de frases que poderiam ser ditas por um jogador de futebol que saiu da pobreza para encontrar fama e riqueza.

"A bola foi o meu caminho para a salvação", completa.

Mas é uma salvação pouco convencional e que, com dificuldade, sobreviveu a mais um ano. Uma vitória equivalente a um título para Dineílson e sua mulher, Graziela, 49. Eles têm um negócio de restaurar, costurar e montar bolas em Osasco, na Grande São Paulo: a D&G Consertos de Bolas de Futebol.

"Aprendi a fazer isso quando estava privado. Decidi que quando saísse, esse trabalho daria um rumo à minha vida. Muita gente duvidou, mas consegui", completa.

Dineílson fala "privado" para não dizer "preso". Ele permaneceu 21 anos trancado na Penitenciária Dr. Walter Faria Pereira de Queiroz, em Pirajuí (382 km da capital). É um assunto sobre o qual não gosta de falar. Mas afirma ser a prova de que alguém, após tanto tempo no sistema carcerário, pode recomeçar.

"A história dele é muito bonita", afirma Graziela.

Eles tentam viver do pequeno comércio que funciona no apartamento em que moram junto com Geovana, 6, a sobrinha do casal. A menina foi adotada por eles após a morte da irmã de Graziela por infarto aos 39 anos.

Quando a coisa aperta, Dineílson faz pintura de casas. Ela tem emprego fixo em uma loja em Perdizes, zona oeste de São Paulo. O casal tem esperança que, no futuro, a D&G será o suficiente para se manter financeiramente.

Dineílson costumava vender bolas novas. Comprava kits de um intermediário e as montava. Eram mais baratas que os modelos de marca e de última geração. Negociava-as por cerca de R$ 100. Mas se queixa que, após a pandemia da Covid-19, este vendedor sumiu e não conseguiu outro fornecedor. Desde então, se concentra nos consertos. A quantidade de trabalho varia.

"Às vezes, chego em casa e tem três bolas para consertar", afirma.

Ele estima que restaura e conserta cerca de 30 bolas por mês, pelo preço de R$ 40 cada. O que lhe dá uma renda de cerca de R$ 1.200.

"Por isso que sobreviver a mais um ano fazendo isso é uma conquista", afirma Dineílson.

"Eu me aperfeiçoei com a prática em um trabalho em que poucos querem se envolver hoje em dia. É sacrificante. É difícil. Peguei [esse ofício] para que seja uma obra-prima da minha vida, para seguir adiante."

Não foi um o que ofício que veio de família, como é a história de Marcos Roberto Saldanha Nunes, 45. O dono do Bola Cheia Consertos de Bolas aprendeu com o pai sapateiro, Luiz Roberto Barros, em Porto Alegre. Antes dele, havia o avô, Leo Pereira Nunes.

No passado, como as bolas eram costuradas e não tinham tanta tecnologia, eram consertadas por sapateiros.

"Com dez anos, já fazia costura de bola. Há quase 15 anos, consertá-las se tornou minha profissão", explica.

Com a divulgação em redes sociais e contatos com clubes da capital gaúcha, ele conseguiu se tornar referência neste mercado. Chega a receber 300 bolas em duas semanas. No passado teve de trabalhar em outros setores e fazer dos consertos e restaurações uma fonte de renda alternativa. Hoje é a única.

A quantidade de bolas vendidas no Brasil varia de acordo com o esporte. As mais populares, claro, são de futebol. Cerca de cinco milhões delas são colocadas no mercado a cada ano.

O preço varia de acordo com a tecnologia e a marca. As mais baratas podem ser encontradas por R$ 75. A Adidas Women's World Cup Pro, usada na Copa do Mundo feminina do ano passado, foi colocada à venda no Brasil por R$ 546. A modelo oficial de futevôlei pode superar os R$ 700.

O valor do conserto também não é fixo, mas ambos calculam em cerca de R$ 40, se for algo simples.

"Tenho clientes do Rio de Janeiro, de Minas Gerais... A primeira vez que mostrei para o meu pai que tinha uma encomenda de alguém de outro estado, ele não acreditou. Hoje mesmo um cliente trouxe 28 bolas", se diverte Marcos Roberto com a lembrança.

Marcos Roberto também atende quadras de futevôlei e vôlei de praia na cidade. Consertas bolas de basquete, futebol americano e o que mais aparecer.

"É preciso maior especialização hoje em dia porque a bola não tem mais costura. Há uma técnica diferente para fazer esse trabalho", finaliza.

É um movimento de clientes que a D&G sonha obter. Por enquanto, sobreviver a mais um ano é o suficiente. Mas eles querem mais.

"Quando estava privado, era algo que servia para ganhar uns trocados e comprar uma bolacha, por exemplo. Agora é mais do que isso", afirma.

Ele reconhece que o trabalho é cansativo até pouco conhecido. Diz que poucos têm ciência da possibilidade de consertar uma bola rasgada ou furada. Dineílson e Graziella veem um futuro pela frente, depois de tudo o que viveram.

"Acho que é um ofício feito por poucos porque é cansativo. Tive de ser insistente. É muito fácil estragar a sua vida e se arrependimento matasse, pode ter certeza que eu seria uma dessas pessoas. Mas eu precisava recomeçar de alguma forma", conclui.


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O Portal do Holanda foi fundado em 14 de novembro de 2005. Primeiramente com uma coluna, que levou o nome de seu fundador, o jornalista Raimundo de Holanda. Depois passou para Blog do Holanda e por último Portal do Holanda. Foi um dos primeiros sítios de internet no Estado do Amazonas. É auditado pelo IVC e ComScore.

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