Tarifas em governo Trump 2 podem provocar invasão de produtos chineses no Brasil
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Antes mesmo de assumir seu segundo mandato como presidente dos Estados Unidos, Donald Trump vem dobrando a aposta em sua guerra comercial com Pequim. A promessa do republicano é criar uma tarifa adicional de 10% sobre produtos chineses logo em seu primeiro dia no cargo, medida que pode respingar no Brasil.
Especialistas argumentam que a China atravessa uma conjuntura econômica sem muita margem para diminuir sua produção industrial. Se as barreiras para acessar um dos maiores mercados do mundo forem de fato implementadas, o mais provável é que haja um direcionamento para países capazes de absorver essa oferta.
Setores brasileiros já calculam os riscos de uma invasão de produtos chineses com a eleição de Trump, antecipando debates sobre tarifas e defesa comercial.
A China já ocupa hoje o primeiro lugar na lista de importações do Brasil. Segundo dados do Mdic (Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços), o país adquiriu US$ 52 bilhões de produtos chineses entre janeiro e outubro deste ano, o que representa 24% de todas as importações feitas.
O raciocínio sobre o risco de entrada massiva no mercado nacional começa por questões internas da China.
André Saconatto, economista e consultor da FecomercioSP, lembra que Pequim vem registrando uma atividade econômica relativamente fraca. A meta de 5% de crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) -que seria uma "dádiva" aqui no Brasil- em escala chinesa é considerada baixa.
Nos últimos anos, o regime de Xi Jinping vem mudando o motor da economia para a área de tecnologia, diminuindo o peso de setores como o imobiliário, que contribui com cerca de 25% do PIB chinês.
Em crise, o setor imobiliário cascateou efeitos na segunda maior economia do mundo, afetando inclusive o consumo e os investimentos.
"As pessoas estão se sentindo mais pobres, porque a poupança delas diminuiu", diz Saconatto, lembrando que boa parte das reservas dos chineses está ligada ao setor imobiliário. "Isso fez com que os chineses aumentassem a taxa de reserva dos novos salários, o que significa consumir menos."
Newsletter Folha Mercado Receba no seu email o que de mais importante acontece na economia; aberta para não assinantes. *** Do lado da oferta, o regime chinês continua estimulando a indústria nacional, mesmo que a demanda não necessariamente responda à altura. "Os últimos dados mostram que a produção industrial está crescendo muito mais que o consumo. Está sobrando produto na China", afirma o economista.
Com a China tendo excedente de produção, Trump adotando barreiras comerciais e a Europa seguindo sua agenda protecionista, Saconatto diz que o mais provável é que Pequim escoe sua produção para países em desenvolvimento, como o Brasil.
"Esse é o cenário, os chineses vão tentar jogar todos esses produtos em algum lugar do mundo", afirma. "Do ventilador ao computador de última geração."
Avaliação semelhante é feita por Thiago de Aragão, diretor de estratégia da Arko Advice. Para ele, o risco de invasão é uma questão de lógica, não necessariamente de conjuntura.
"É óbvio que essa produção vai para outro lugar, não vai cessar. E tem que ir para mercados que estão preparados para absorver. Nisso o Brasil é um candidato fortíssimo", diz.
Aragão destaca que, diferentemente de outros países, a China depende de um crescimento econômico para garantir uma coesão social que fortaleça a estabilidade do Partido Comunista Chinês. Ou seja, Pequim deve continuar com a produção industrial numa determinada margem, mas sem um de seus grandes compradores.
Para ele, os itens que devem entrar massivamente no mercado brasileiro são "os de sempre", desde o aço --que já tem grande penetração na economia nacional-- até produtos que são fortes em economias em desenvolvimento, como carros, TV, computadores, celulares e eletrônicos em geral.
"São exatamente essas as áreas em que a China tem um poder muito grande de ocupar, porque são também símbolos do desenvolvimento econômico individual por lá. E se a absorção local diminui, ela tem que acontecer em outro lugar. Então vai ser no Brasil."
Segundo Saconatto, a Fecomercio já vem avisando aos comerciantes que isso deve acontecer. "[Estamos] indicando para eles o seguinte: se você for um revendedor de produtos chineses, aproveite, seu poder de barganha está alto. Se você for um concorrente, cuidado."
A avaliação, contudo, não é unânime no setor de comércio. Felipe Tavares, economista-chefe da CNC (Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo), diz não ver risco de entrada massiva, porque o Brasil não teria renda e mercado consumidor para lidar com o escoamento do mercado americano.
"O máximo que temos de exposição não deve ser muito alterado", diz. "Não é porque os EUA deixaram de comprar carro elétrico que vai quadruplicar o volume brasileiro. Nós não temos renda e mercado para lidar com isso."
Na verdade, ele enxerga benefícios para o Brasil com Trump fortalecendo o sentimento de importância do Ocidente. "O Brasil, historicamente, se beneficiou muito das políticas republicanas. Esse fluxo de comércio sendo mais centralizado no Ocidente tende a beneficiar muito o Brasil."
A Folha de S.Paulo apurou que a Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) está fazendo uma análise detalhada sobre os riscos relacionados ao tema, considerando a gama variada de setores industriais.
Rafael Lucchesi, diretor de desenvolvimento industrial e economia da CNI (Confederação Nacional da Indústria), afirma que a vitória do republicano traz pontos de atenção sobre a invasão de produtos chineses, mas destaca que o Brasil tem instituições, governo e capacidade de se adaptar a essas situações.
"Acho que o Brasil deve estar atento a esses movimentos e, evidentemente, resguardar seus interesses. Então, se tem 'America First' [slogan de Trump], temos que pensar no 'Brasil Primeiro', de forma pragmática", diz.
Segundo ele, já existe uma entrada maior de produtos chineses em determinados setores. Recentemente, o governo aumentou para 25% o imposto de importação para painéis solares, cujo mercado é dominado por fornecedores chineses.
Lucchesi concorda que eventuais barreiras nos EUA vão fazer os chineses buscarem outros mercados para encaixar o déficit. Por isso, ele diz que o país precisa acelerar sua defesa comercial, acrescentando que o setor industrial vai reagir a qualquer ameaça que venha a surgir.
"É importante o Brasil ter este norte de se proteger, não deixar haver um strike [na estrutura industrial] para se proteger depois."
Procurado, o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços disse estar atento ao contexto internacional e que trabalha internamente com cenários para o comércio exterior nos próximos anos. "O Mdic adotará todas as medidas que se mostrarem necessárias para a promoção da competitividade no mercado interno, não orientando as suas ações e decisões por outros critérios."
Saconatto, da Fecomércio, diz que o Brasil vai acabar colocando tarifa em alguns itens, começando com carros chineses.
"O lobby industrial é muito forte e o Brasil vai acabar se protegendo", afirma. "Acho que em 2025, vamos começar a ver tarifas aumentando para tentar segurar um pouquinho isso."
A avaliação dele é que o Brasil poderia pensar numa maneira estratégica de absorver esses produtos e se beneficiar dos preços.
"Dá para acoplar um plano de longo prazo a um processo de diminuir tarifas de importação específicas, em máquinas, energia, tecnologia, infraestrutura. Se o Xi Jinping quer nos subsidiar, obrigado."
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