Tarifas mais altas e fricções no comércio internacional nos preocupam, diz premiê de Singapura
RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) - O primeiro-ministro de Singapura, Lawrence Wong, disse em entrevista à Folha de S.Paulo que seu país será negativamente afetado por qualquer aprofundamento da guerra comercial entre China e Estados Unidos.
A perspectiva de novos atritos no comércio internacional causados pela disputa entre Washington e Pequim aumentou desde a vitória eleitoral de Donald Trump nos Estados Unidos.
"Como um país aberto, com o comércio representando três vezes o nosso PIB (Produto Interno Bruto), Singapura será negativamente impactada por qualquer guerra comercial que ocorra. Portanto, estamos preocupados com tarifas mais altas e fricções crescentes no comércio. Uma maneira melhor de abordar questões ou disputas relacionadas ao comércio é reformar e fortalecer a OMC (Organização Mundial do Comércio). Singapura continuará a trabalhar com países que compartilham a mesma visão para ver como podemos fortalecer a OMC e ter um melhor marco para que o comércio e o investimento continuem a ocorrer entre os países", declarou Wong, em resposta por escrito a perguntas enviadas pela reportagem.
A OMC hoje vive um bloqueio por ação dos EUA, que impedem o processo de seleção para preencher vagas no Órgão de Apelação -responsável por julgar recursos em disputas comerciais.
"Ao mesmo tempo, estamos redobrando nossos esforços com parceiros para fortalecer os vínculos comerciais em diferentes fóruns regionais. Estamos tomando medidas para acelerar a integração dentro da Asean (Associação de Nações do Sudeste Asiático) e estabelecer vínculos mais estreitos com outros países e blocos ao redor do mundo", acrescentou o premiê.
O premiê viajou ao Rio de Janeiro para participar da cúpula do G20. Singapura foi um dos oito países que o Brasil, na presidência do grupo, convidou para participar de todo o ciclo de reuniões do fórum que reúne as maiores economias desenvolvidas e emergentes do globo.
Singapura é uma economia altamente internacionalizada, tendo se consolidado como um dos maiores hubs de transporte marítimo do mundo. O país tem 27 acordos de livre comércio implementados.
Além de ter a China como principal parceiro comercial, nacionais de Singapura de origem chinesa constituem o maior grupo étnico no país. Os EUA, por outro lado, são o segundo sócio comercial do país.
"A relação entre os Estados Unidos e a China está atualmente em uma situação muito desafiadora. Como as duas maiores economias, os EUA e a China têm uma das relações bilaterais mais importantes do mundo. Singapura valoriza uma relação estável, segura e construtiva entre os dois países. Esperamos que ambos os países possam criar um ambiente propício que permita tanto uma competição saudável quanto a cooperação. Um descolamento maior [entre China e EUA] impactará o intercâmbio de ideias, a colaboração tecnológica e os fluxos de capitais, todos vitais para o crescimento econômico. Isso é preocupante para um país aberto e dependente do comércio como Singapura, assim como para alguns de nossos amigos na América Latina", disse Wong.
"Estamos preocupados com as dinâmicas amplas da relação entre os EUA e a China. Os EUA continuam sendo uma potência preeminente em várias dimensões, mas precisam decidir como lidar com uma China que também está ascendendo -se tratam a China como uma ameaça existencial e tentam contê-la, ou a aceitam como uma grande potência por direito próprio. A China também precisa tomar decisões, porque seu rápido crescimento e desenvolvimento nas últimas décadas significam que ela não é mais o mesmo país e economia que era quando entrou na OMC, em 2001. As concessões feitas à China no passado já não são mais relevantes hoje. E, como uma potência global em ascensão, a China precisa considerar as responsabilidades que assume para manter a ordem internacional baseada em regras".
No final do ano passado, durante a cúpula do Mercosul no Rio de Janeiro, o bloco sul-americano assinou um acordo comercial com Singapura. Além de ter sido o primeiro acordo do Mercosul (formado por Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai e, agora, Bolívia) com um país asiático, também foi o primeiro tratado firmado pelos sul-americanos desde 2011 -o que ajudou a contrapor a imagem de paralisia do bloco.
À época da assinatura, o Mdic (Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços) estimou que o acordo pode ter um impacto acumulado de R$ 28 bilhões no PIB brasileiro até 2041, além de garantir R$ 11 bilhões em investimentos no período.
De acordo com Wong, o acordo de livre comércio assinado entre o Mercosul e seu país abre caminho para uma maior cooperação econômica entre a América Latina e o Sudeste Asiático -uma das regiões de maior dinamismo econômico no globo. Ele disse também esperar que o Brasil seja o primeiro membro do Mercosul a ratificar o acordo.
"Com o acordo comercial, esperamos que o comércio entre Singapura e o Brasil, que alcançou mais de US$ 7 bilhões em 2023, cresça ainda mais. O acordo de livre comércio também é significativo porque é o primeiro do Mercosul com um país do Sudeste Asiático. Ele é uma via para uma maior cooperação econômica entre as regiões mais amplas do Sudeste Asiático e da América Latina", afirmou.
"Com Singapura, o Mercosul e o Brasil têm um parceiro confiável e comprometido para se conectar com a Asean ".
RAIO-X | LAWRENCE WONG, 51
Além de primeiro-ministro, Lawrence Wong acumula a carteira de ministro das Finanças. Formado em Economia em universidades americanas, Wong foi ministro em diferentes pastas de seu país, entre elas a de Cultura e a de Educação. Também presidiu a autoridade monetária de Singapura.
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