Trajetória da dívida pública e desaceleração do PIB desafiam Haddad até 2026
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O ministro Fernando Haddad (Fazenda) chega à metade do atual mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) diante de um duplo desafio: lidar com a deterioração da trajetória da dívida pública e administrar os temores crescentes no PT com os efeitos da desaceleração econômica nas eleições de 2026.
A natureza dos problemas expõe um dilema já presente no governo e que deve confrontar Haddad com maior intensidade nos próximos dois anos. Aprofundar o ajuste fiscal tende a esbarrar na restrição política, enquanto adotar medidas de impulso à atividade poderia agravar ainda mais a situação das contas do país.
O duelo interno entre as duas posições já resulta em um "posicionamento errático" do governo que precisa ser corrigido, segundo um ministro ouvido pela reportagem sob condição de anonimato.
A aprovação de uma versão desidratada do pacote de contenção de gastos, considerado tímido já na sua origem, é a expressão mais recente desse embate.
Antes mesmo de chegarem ao Congresso, as medidas de Haddad, idealizadas para conter o crescimento dos gastos e garantir a sustentabilidade do arcabouço fiscal, foram moderadas pelo filtro político de outros ministros e acopladas a mudanças no Imposto de Renda que têm forte apelo popular, mas foram mal recebidas pelo mercado financeiro.
Além do temor de que a perda de arrecadação com a isenção de IR até R$ 5.000 não seja plenamente compensada pelo imposto mínimo sobre milionários, a mudança na estrutura tributária vai ampliar a renda disponível de um grupo com maior propensão a consumir. Isso representa um estímulo adicional à economia, mas pode pressionar a inflação e exigir juros maiores para evitar o descontrole de preços.
Embora o projeto do IR ainda não tenha sido formalizado, o anúncio conjunto da medida com o pacote que deveria conter gastos foi visto como uma derrota política do ministro da Fazenda, que resistia à junção das iniciativas.
Aliados de Haddad avaliam que o próprio presidente Lula contribui para o posicionamento errático quando afirma que o maior problema atual é a taxa de juros, sem demonstrar convicção na agenda da Fazenda nem reconhecer os desafios fiscais que o governo precisa enfrentar.
Procurado, o Ministério da Fazenda não se manifestou até a publicação deste texto.
Segundo projeções do Tesouro Nacional, a dívida bruta do Brasil pode atingir um pico de 83,1% do PIB (Produto Interno Bruto) em 2028, caso o governo não consiga aprovar medidas adicionais de arrecadação.
Os números ainda podem estar subestimados, já que consideram parâmetros otimistas para a taxa básica de juros, a Selic, que remunera praticamente metade dos títulos públicos emitidos pelo Brasil. Pelos parâmetros do mercado, a dívida bruta chega a 89,8% do PIB em 2028, sem indicativo de estabilização.
A alta de juros é um dos fatores que impulsionam o endividamento do país, mas o próprio BC alertou, em sua última decisão, que a percepção desfavorável dos agentes sobre o pacote fiscal afetou "de forma relevante" os preços de ativos, especialmente a taxa de câmbio, e as expectativas de inflação. Por esse raciocínio, um alívio nos juros dependeria de um compromisso claro com o ajuste nas contas.
O ministro da Fazenda já sinalizou que pode apresentar novas medidas de ajuste em 2025. Embora essa visão tenha respaldo em parte do governo, há ceticismo no mercado quanto à real disposição de Lula em bancar uma nova rodada de medidas impopulares num período ainda mais próximo das eleições.
"[2025] Vai ser um ano muito complexo, porque nós vamos precisar voltar para a agenda fiscal em algum momento. Mas acho muito pouco provável que haja qualquer ação adicional no começo do ano", diz o economista Carlos Kawall, sócio-fundador da Oriz Partners e ex-secretário do Tesouro Nacional.
Segundo ele, o crescimento ainda forte do PIB no primeiro semestre deve adiar esse tipo de decisão. "Acho que a situação vai ter que piorar bastante até que haja alguma condição de se atuar adicionalmente."
Kawall avalia que o país já entrou em uma situação de crise fiscal, diante das dificuldades enfrentadas pelo Tesouro na rolagem da dívida pública. "A gente já está enfrentando o fracasso da política fiscal, do arcabouço. O que a gente vai ver a partir daqui é como o governo encara a realidade. A primeira tentativa de remendar, de fazer um puxadinho, não deu certo", afirma.
"O problema é estrutural. Não é o Orçamento do ano que vem. É a trajetória da dívida pública ao longo dos próximos anos. A trajetória não é sustentável, o arcabouço não deu conta do problema. O governo não quer mexer, e aí os preços são outros", diz.
Entre governistas, é consenso que errar na economia seria ruim para Lula na corrida eleitoral de 2026. O problema é que há diferentes visões no governo e no PT sobre o que seria este "errar na economia".
Para aliados de Haddad, é fundamental fortalecer a agenda fiscal, enquanto a alta da Selic vai "diminuir um pouco a velocidade" do crescimento e evitar que a corrida muito rápida acarrete uma "queda do cavalo". Outra ala vê na política de juros do Banco Central o principal fator de risco para o crescimento nos próximos dois anos.
"O problema em 2025 e 2026 é não deixar a economia desacelerar muito, principalmente por causa da política monetária", afirma o deputado Lindbergh Farias (PT-RJ), futuro líder da bancada na Câmara dos Deputados. "Isso vai ser fundamental para que nosso projeto seja vitorioso."
Para ele, o BC sob o comando de Gabriel Galípolo, indicado de Lula para presidir a instituição a partir de 2025, terá um "papel decisivo". "Acho que pode existir uma situação em que o Galípolo consiga partir de um debate com o mercado e convencer que [elevar a Selic até 14,25% ao ano, como sinalizado na última reunião] seria um aperto gigantesco que poderia comprometer a economia", afirma.
Crítico contumaz das medidas de maior aperto fiscal, Lindbergh diz que a mudança na política de valorização do salário mínimo foi uma medida estrutural importante, mas vê "má vontade" do mercado com o atual governo.
O petista afirma ainda que os limites para garantir o crescimento da economia são justamente as regras fiscais. Segundo ele, não há risco de Lula repetir expedientes adotados pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que obteve aval do Congresso Nacional em 2022 para turbinar gastos sociais fora das regras na tentativa de se reeleger.
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