Turma de Galípolo na faculdade relata disputa por centro acadêmico e embate filosófico com novo chefe do BC
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Entre os milhares de alunos que o economista José Marcio Rego teve nos mais de 30 anos em que deu aula na PUC-SP, ele considera Gabriel Galípolo, que assume a presidência do Banco Central em 1º de janeiro, o mais destacado de todos. Mas pela mesma turma de faculdade de Galípolo, que tem hoje 42 anos, passaram outros expoentes de uma geração de economistas que ganhou relevo nos últimos anos.
Além de Guilherme Mello, atual secretário de Política Econômica do governo Lula (PT), outros nomes foram contemporâneos dele há cerca de 20 anos, como André Roncaglia, indicado pelo Ministério da Fazenda em agosto como diretor-executivo do Brasil no Fundo Monetário Internacional.
Também saíram desta geração da PUC, com alguma diferença de idade e em anos letivos variados, Igor Rocha, atualmente economista-chefe da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), e André Perfeito, ex-economista chefe da Gradual e da Necton e hoje sócio da consultoria APCE, com quem Galípolo ainda mantém amizade.
Aluno aplicado que era, segundo quem conviveu com ele em sala de aula, não foi nas cervejadas, nem nos bares vizinhos da PUC, na rua Ministro Godói, que Galípolo deixou as memórias mais marcantes.
Com Mello, que era um ano mais novo, a convivência foi maior nos tempos de centro acadêmico, no movimento estudantil. "Nós éramos de chapas opositoras, mas ele sempre foi um sujeito capaz de construir pontes entre as duas chapas e ser respeitado nos dois campos. Era um interlocutor constante. Antes de participar do movimento estudantil, nós ajudamos a organizar a Semana de Economia da PUC-SP", diz Mello.
Segundo Roncaglia, a disputa pelo centro acadêmico ocorreu em 2002, e sua chapa com Mello e Perfeito venceu, porque reunia uma frente ampla, de centro-direita, cobrindo todos os cursos da faculdade de economia da PUC, enquanto a chapa de Galípolo, mas à esquerda, se concentrava no curso de economia.
"Depois deste embate, perdi contato com o Gabriel e fui reencontrá-lo, mais tarde, no mestrado, onde tínhamos o mesmo orientador, o professor João Machado Borges Neto. Gabriel sempre foi questionador, com uma incomum destreza em debates e uma destacada facilidade em enxergar o fio da meada em vários temas de economia, história e filosofia. Tivemos debates acalorados sobre questões filosóficas. Aprendia muito com ele", relembra Roncaglia.
Para Perfeito, que era o mais veterano e foi presidente do Centro Acadêmico Leão 13, uma das características da turma, além do gosto pelo debate, era o engajamento na vida universitária.
Mello relata que eles participaram da primeira à terceira edições da Semana de Economia, o que fomentou um contato mais próximo com um amplo grupo de professores e grandes economistas, entre eles, Luiz Gonzaga Belluzzo.
Era nítida a influência do convívio com Belluzzo e Rego sobre a trajetória intelectual de Galipolo, segundo Roncaglia.
"Gabriel sempre os citava em suas falas. O acesso a vários economistas de renome me parece ter sido crucial para catalisar a potência intelectual que ele já trazia consigo. O fato de ter acompanhado José Marcio Rego em várias das entrevistas publicadas no livro "Conversas com Economistas Brasileiros 2" e de compartilhar da intimidade palestrina com Belluzzo tornaram o estudo da economia uma prática diária, desde cedo, quando a maioria dos estudantes está tateando os campos do saber econômico", diz Roncaglia.
Belluzzo, que é amigo de Lula desde os anos 1970 e conselheiro econômico histórico do presidente, foi um dos principais padrinhos na trajetória de Galípolo. A proximidade com Rego, que organizava reuniões com economistas, se aprofundou ao longo da graduação.
"A gente fazia almoços com Belluzzo, mas também com Pérsio Arida, pessoas das mais diferentes vertentes. E o Gabriel sempre foi uma pessoa de raciocínio rápido, inteligente, de trato fácil. Isso ajudou a construir uma visão rica e diversa dos fenômenos econômicos. Essa nossa geração da PUC deu origem a diversas pessoas que vieram a participar dos debates econômicos na esfera pública", diz Mello.
Perfeito, por sua vez, avalia que há uma interpretação equivocada de que na PUC-SP prevalece a vertente heterodoxa da economia, com viés à esquerda uma visão que repercutiu na esteira do anúncio de que Galípolo seria o escolhido de Lula para suceder Roberto Campos Neto.
Ele defende que a instituição lhes ofereceu o pluralismo que alimentou um perfil eclético e conciliador, que Galípolo manifesta, transitando por ambientes distintos, desde o mercado financeiro, passando pela academia, pelo governo José Serra (PSDB) em São Paulo em 2007 e chegando à gestão petista em 2023.
"A PUC-SP sempre foi mais heterogênea do que heterodoxa. Estudamos muito Keynes e Marx, mas também muito Friedman, muito manual de economia mais ortodoxo", diz Perfeito.
Após se graduar na PUC em 2004, onde também obteve o título de mestre em economia política, Galípolo lecionou na instituição. Foi professor de disciplinas como economia brasileira contemporânea, macro, economia para relações internacionais, introdução à ciência política, entre outras.
O mais novo da turma, Igor Rocha, 38, acompanhou de perto a atuação de Galípolo nos anos seguintes, quando foi trabalhar na área de infraestrutura.
"Eu fiquei muito tempo trabalhando com consultoria em infraestrutura e ele era um baita especialista reconhecido no setor. Fazia estruturação financeira, teve uma consultoria muito bem-sucedida e foi chamado para trabalhar no Banco Fator", diz o amigo.
No banco, onde assumiu a diretoria de negócios em 2016 e se tornou presidente entre 2017 e 2021, Galípolo atuou na modelagem das privatizações da Cesp e da Cedae, entre outros projetos.
Rocha ressalta outros temas de interesse do novo presidente do BC. "Gabriel sempre foi engajado. Se interessa por física, psicologia e filosofia. Teve uma época em que ele ia discutir estudos no departamento de física da USP", diz.
O repertório adquirido Galípolo já vem mostrando em declarações públicas nos últimos meses, citando nomes como o do físico dinamarquês Niels Bohr em metáforas econômicas para explicar a dificuldade de lidar com projeções futuras.
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