Visto como sinal de decadência, EUA já gastam mais com juros do que na Defesa
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Os Estados Unidos gastarão neste ano pela primeira vez na história mais juros para financiar seu endividamento público recorde do que o valor destinando para a área militar. Serão US$ 892 bilhões em juros ante US$ 824,3 bilhões com a Defesa.
Segundo a chamada Lei de Ferguson, cunhada a partir dos trabalhos do historiador e best-seller escocês Niall Ferguson, da Universidade de Harvard, 2024 pode marcar o início da decadência dos EUA como maior economia e superpotência global.
A Lei de Ferguson tem sido verdadeira para muitas grandes antigas potências, incluindo o Império Otomano, o Império Britânico, a Espanha dos Habsburgos e o Antigo Regime da França. Todas sucumbiram após forte endividamento que as levaram a crises financeiras.
Neste sentido, os norte-americanos vêm entrando na mesma armadilha que assolou a França entre 1760 e 1770, década que acabaria engendrando a Revolução Francesa, em 1789: todos os anos os EUA terão de pedir mais dinheiro emprestado apenas para pagar juros sobre o dinheiro que já pediu emprestado.
O alerta foi feito na terça (3) no lançamento do Relatório sobre Dívida Global do Institute of International Finance (IIF), uma espécie de Febraban global com mais de 450 membros baseada em Washington.
Enquanto a dívida global em relação ao PIB de todos os países do mundo fechou o terceiro trimestre deste ano em 97,5%, em média, este principal indicador de solvência dos países ficou em 119,2% nos EUA.
O IIF destacou que há uma tendência de alta na relação dívida pública/PIB no conjunto das nações, mas que, em alguns países, ela é "notadamente mais forte". Além dos EUA, o IIF citou nominalmente Brasil, Hungria, Irlanda e Nigéria.
Entre o terceiro trimestre de 2023 e o mesmo período deste ano, o endividamento público global aumentou US$ 8,6 trilhões (R$ 52 trilhões). Por conta do estoque elevado de dívidas, sobre o qual devem incidir juros também maiores para atrair investidores, o IIF estima que nos próximos quatro anos o endividamento público global salte 35%, chegando a US$ 170 trilhões em 2028.
Pelo critério do IIF (o mesmo do FMI), que considera títulos públicos fora de circulação retidos na carteira dos bancos centrais como dívida, o Brasil encerrou o terceiro trimestre deste ano com 88,2% de relação dívida/PIB -acima do conjunto dos emergentes (71,4%) e dos países latino-americanos (68,7%).
No lançamento do relatório, a diretora-geral do banco Goldman Sachs, Maral Shamloo, afirmou que o crescimento do Brasil em 2025 tende a ser menor, o que piora a relação dívida/PIB. Destacou ainda que países emergentes devem sofrer com fuga de dólares à medida que os EUA terão de manter elevadas as taxas de juro para atrair investidores para financiar sua dívida.
Só neste ano, o real se desvalorizou 22% em relação ao dólar, tanto pela força da moeda norte-americana, impulsionada por juros altos nos EUA, quanto pela percepção do mercado brasileiro sobre a fragilidade das contas públicas. A péssima reação do mercado na semana passada ao pacote de medidas do governo para conter gastos só agravou o quadro -em novembro, o dólar subiu 5%.
Nos EUA, as taxas de juros de títulos de 10 anos (os T-Bonds) vêm se mantendo superiores a 4% ao ano. Com isto, países endividados como o Brasil são obrigados a pagar um prêmio sobre esse percentual para atrair compradores para seus próprios papéis, a fim de se financiarem.
Juros altos não apenas tendem a esfriar o crescimento como alimentam a dívida, já que incidem sobre seu estoque. O juro básico no Brasil (Selic) está em 11,25%, mas o mercado aposta em novos aumentos nos próximos meses para tentar conter a disparada do dólar, a inflação e para atrair investidores a rolarem a crescente dívida pública.
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