Menos da metade dos professores do 9° ano ensinaram 80% do conteúdo em 2015
RIO — Uma escola de poucos recursos, professores desmotivados e alunos sem interesse. O retrato sombrio é traçado pela análise da Prova Brasil 2015 pelo portal de educação QEdu em um levantamento divulgado hoje, a partir de questionários com milhares de integrantes do corpo docente e estudantes do ensino fundamental. Segundo o relatório bienal, apenas 45% dos mestres conseguiram desenvolver, no ano da enquete, ao menos 80% do conteúdo disciplinar previsto.
Entre os 52.341 diretores consultados pelo Ministério da Educação, 70% apontaram que o ensino foi dificultado por falta de recursos financeiros, e 55% lamentaram a carência de material de apoio aos professores. Diretor-executivo da QEdu, César Wedemann alerta que o corpo docente precisa apelar cada vez mais para soluções criativas que driblem o orçamento apertado do poder público.
— Os professores devem pensar em novas maneiras para acompanhar os alunos — aconselha. — Precisam se reunir e bolar sugestões que facilitem, sem aumentar os custos, a transmissão da matéria. Por exemplo, se os estudantes de uma escola tiverem dificuldade com um conteúdo, devem ser apresentados a algum modo alternativo de aprendizado que deu certo em outro colégio.
Os professores, no entanto, não têm uma alta expectativa de seus alunos. Dos 262.417 consulados, todos do 5º ou 9º ano do ensino fundamental, 55% acreditam que seus estudantes concluirão o ensino médio, mas apenas 12% avaliam que quase todos ingressão em universidades. A descrença têm raízes dentro e fora da sala de aula.
Na escola, segundo o levantamento, o corpo docente se depara com um ambiente hostil. Pouco mais de metade (51%) dos professores sofreram agressão física ou verbal de alunos, ou então viram funcionários passarem por este problema.
Os mestres também não veem as famílias dos estudantes como aliadas: os problemas de aprendizagem seriam causados, entre outros fatores, pelo meio social em que vive o aluno e pela falta de acompanhamento em casa de sua vida escolar.
Pesquisador da Fundação Lemann, atuante na área de educação, Ernesto Faria destaca que 9% dos diretores e 5% dos professores já foram vítimas de furto. Um por cento dos mestres também sofreram assalto. O ambiente hostil é uma dificuldade que deve ser contornada.
— Oitenta e três por cento dos professores acham que o meio social em que o aluno convive pode interferir na aprendizagem. Mas não dá para isolar a escola do local onde está. É preciso estabelecer um diálogo entre ela e a comunidade — reivindica. — O colégio deve ser visto como um ambiente diferenciado, em que uma pichação é pintada logo depois de ser feita, como uma demonstração de que este mau comportamento não será tolerado. A violência também não pode ser permitida. Sabemos que muitos fatores influenciam o desempenho nas salas de aula, como o contexto socioeconômico e a participação dos pais. O professor não pode desistir. Também deve encarar esta situação como um problema seu.
O Brasil está no topo do ranking da violência contra professores, segundo uma pesquisa divulgada em 2014 pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), feita com mais de 100 mil profissionais de educação que atuam com alunos de 11 a 16 anos.
No país, 12,5% dos docentes afirmaram sofrer agressões verbais ou intimidações por parte dos alunos ao menos uma vez na semana. Este é o índice mais alto entre os 34 países pesquisados. Em segundo lugar aparece a Estônia, com 11%, e a Austrália, com 9,7%. Na Coreia do Sul, Malásia Romênia, o índice é zero.
Presidente-executiva do Todos pela Educação, Priscila Fonseca da Cruz afirma que o elevado índice de agressão mostra outra falha dos colégios.
— Além de ensinar disciplinas, a escola também é um local para o desenvolvimento de valores. Se há tantas agressões, isso é uma prova de que toda a sociedade está fracassando — lamenta. — A hostilidade a um professor representa a total desistência em relação ao ensino. É o cúmulo da falta de crédito.
De acordo com Priscila, o questionário da Prova Brasil é mais uma prova de que ninguém assume a culpa pelo baixo desempenho escolar no país.
— Sempre tivemos um jogo de acusações: a família acusa a escola, o diretor acusa o governo, que acusa o professor grevista — observa. — Os alunos reconhecem sua baixa autoestima, mas não fazem nada para combatê-la. Não devemos ficar felizes com baixas expectativas, nem pensar que tudo é feito na sala de aula. Entre 50% e 66% do desempenho do estudante se deve ao meio familiar.
Wedemann concorda que falta uma “relação harmoniosa” entre alunos e professores. Parte dessa falta de diálogo poderia ser atribuída à necessidade de modernizar o diálogo.
— Os estudantes estão cada vez menos passivos. Hoje não há motivação, mas eles precisam se sentir desafiados — conta. — Os professores reconhecem que existe uma barreira entre eles e os alunos, sabem que eles enfrentam outra realidade.
Os educadores entrevistados pelo GLOBO afirmam que a dificuldade para transmitir todo o conteúdo programado é um problema histórico.
— O Brasil é um dos campeões mundiais em perda de tempo durante o dia letivo, e isso acontece porque têm turmas muito indisciplinadas — explica Priscila. — Das quatro horas diárias de aula, o professor perde uma hora e meia parando sua atividade para conseguir atenção dos estudantes, que também ficam inquietos nos dez minutos finais, ansiosos para ir embora. Então, considerando o pouco tempo restante e a infraestrutura precária dos colégios, o que conseguimos é quase um milagre.
— Às vezes perdemos metade do tempo fazendo chamada e registrando faltas — conta Faria. — Isso é especialmente grave entre os alunos de baixo nível socioeconômico, que são os mais carentes de conteúdo. Não adianta ter um bom currículo se não podemos passar isso aos alunos.
A dificuldade para lecionar também pode ter origem na própria formação do professor, muitas vezes insuficiente ou defasada. Entre os mestres consultados em 2015, no levantamento da Prova Brasil, 88% disseram que gostariam de ter participado de mais atividades de desenvolvimento profissional. E 67% afirmaram ter “alta necessidade” de obter formação específica para trabalhar com estudantes com deficiência ou necessidades especiais — esta carência é reconhecida por 51% dos diretores, que também admitem não contar com salas de recursos multifuncionais.
— Os professores não conseguem explorar todo o material porque só recebe palestras generalistas, sem qualquer afinidade com a atividade na escola — critica Priscila. — Não existe a conexão necessária entre a sua formação profissional e o que ele vai encontrar nas salas de aula.
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