Cuidado eleitor!
Vou colocar o dedo na chaga de algumas distorções da cobertura de política dos nossos diários. Algumas fórmulas estão esgotadas, são repetitivas e nada acrescentam à compreensão dos fatos. Um exemplo é a cobertura da política partidária. Em geral, ela é chata porque dá muito destaque às fofocas de gabinetes e manobras palacianas, valoriza as aspas e segue a agenda do mundinho político, que raramente coincide com os interesses dos leitores.
Há necessidade de se ter especial cuidado com a interpretação de curiosas oscilações das pesquisas eleitorais. Pesquisa é um instrumento válido, mas não pode ser transformada em dogma de fé. Quando nos limitamos a repercutir o resultado das pesquisas e não somos capazes de analisá-las, com objetividade e distanciamento, a coisa complica. Vamos devagar com o andor que o santo é de barro. Uma cobertura de qualidade é, antes de qualquer coisa, um problema de foco. É preciso acabar com o jornalismo puramente declaratório e assumir, efetivamente, a agenda do cidadão. Não basta fazer um painel de leitores, mas é preciso cobrir a fundo as questões que influenciam o dia-a-dia das pessoas. É importante fixar a atenção não mais nos políticos e em suas milionárias estratégias de imagem, mas nos problemas que os cidadãos estão reclamando. O marketing político, frequentemente, vende uma bela embalagem. Os jornalistas precisam desembrulhar o pacote e mostrar o produto como ele efetivamente é.
Alguns candidatos, dominados pela obsessão de um bom desempenho na mídia, só pensam no efeito imediato de suas declarações, no gesto que traz dividendos, no slogan que produz impacto eleitoreiro. Preocupam-se pouco, muito pouco, como conteúdo e com os resultados práticos que decorrerão de determinadas estratégias.
A prioridade pelo instantâneo, a opção pelo show mediático, relega a segundo plano da reflexão a perspectiva de médio prazo. Ao encantamento da imagem se acrescentam outras tendências que compõem o perfil médio do político brasileiro: a transferência de responsabilidades, o descaso com a coerência e o descompromisso com a verdade.
Há como exemplo, um candidato em Manaus que costuma dizer que, se eleito, colocará toda a Policia Militar e a Rocam na rua. Não se deve registrar tamanha demagogia sem indicar o óbvio num box: a Polícia Militar, e consequentemente a Rocam, depende do governo do estado. O prefeito pode, apenas, cuidar da Guarda Municipal. A declaração do candidato, portanto, é descabida e mentirosa. É um exemplo, sem dúvida simples, mas que somada a outras providências editoriais acabam resultando numa cobertura de qualidade. Um jornalismo previsível faz o jogo dos políticos. Chegou a hora de fazer com que a imprensa tenha um papel de informadora e defensora da sociedade .Os mais otimistas podem observar que a carência de programas, o acento na imagem dos candidatos, a ênfase nas técnicas de marketing político, entre outras coisas, decorre da tradição de personalização da vida política nacional e da característica imperial de nosso presidencialismo. Mas esquecem que esse desprezo pelo eleitor e pelo cidadão resultante da falta de propostas claras e objetivas pode ter como resultado o desinteresse ou a desafeição para com a política, terminando por deslegitimar os partidos, de direita ou de esquerda, e o próprio sistema político.
Chegou a hora de a imprensa assumir, de fato, o papel de informadora e defensora da sociedade. Só assim conseguiremos que os leitores percebam que o jornal e a mídia eletrônica continuam sendo úteis, importante, parceiros insubstituíveis no exercício da cidadania. E a campanha ainda nem começou efetivamente.
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