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Uso indecente de dinheiro público


Por Flávio Lauria

05/08/2024 13h03 — em
Espaço Crítico



Seria como entronizar a imagem de São Jorge num bordel. Tudo isso ante a proposta de gastar-se mais dinheiro público, arrancado da população em regime tributário escorchante, para compor falso quadro de pureza eleitoral, quando ele já está totalmente tisnado pela mais recorrente e deslavada corrupção. Poderia desfilar inumeráveis casos de uso indevido do dinheiro público em campanhas eleitorais, responsável pela denominada "representação de resultados" em que se transformaram as casas legislativas e sua consequente desaprovação popular. O projeto destinado a regulamentar o financiamento público das campanhas nada mais é do que um vergonhoso biombo para ocultar o que, de resto, é conhecido de todos.

A cada nova eleição, o jorro de dinheiro nas campanhas terminou por seu desvirtuamento definitivo. A sensibilidade popular o demonstrou em recente pesquisa. Apenas 4% do universo pesquisado mostra-se favorável a esta aberração, enquanto sobem os índices de repúdio às casas legislativas. Argumentemos pelo absurdo. Aprovado o projeto e feita a alocação de recursos para os partidos disputantes, oferecer-se-á ao País a versão de um pleito imaculado, do qual os representantes eleitos emergiriam ostentando diploma de bom comportamento moral. Uma farsa com tonalidades cômicas se não fossem trágicas pelo desvio do dinheiro dos impostos, extorquidos da população pela infernal máquina arrecadadora do estado para convalescer grotesca mistificação. Desde quando as resistências opostas à implantação do sistema distrital no Brasil superaram a batalha contra a moralidade, pelo qual se teria armado dispositivo capaz de combater com eficiência a corrupção eleitoral, quantos a cada nova eleição conquistam o mandato pelo uso imoderado da pecúnia, espalhando pelo Brasil o vírus dessa doença maldita que contamina impérios e as sociedades. No instante da transformação em lei das regras para financiamento de campanhas políticas, nenhum cidadão poderá mais arguir sua ilegitimidade. Aí então o desastre será mais evidente e a crença na superioridade do regime democrático e dos princípios republicanos passará à condição de letra morta, mero devaneio de nefelibatas. Recentes episódios desnudaram esta verdade inconsútil. Funcionários do governo ou simples agentes de seus esquemas de sustentação no poder trafegam livremente pelos desvãos das engrenagens do sistema com desenvoltura proporcional à certeza da impunidade. Encontram por toda parte aliados e parceiros na aventura. São capazes de mobilizar a opinião pública em torno de projetos mirabolantes, seduzindo-a com a miragem do progresso, quando seu único objetivo é o de arrecadar fundos para campanhas eleitorais futuras.

Cobra-se por antecipação o imposto eleitoral de empreiteiros e construtores. Seu inadimplemento importará em sérios embargos a ponto de impedi-los a se aproximarem das cornucópias governamentais. Somar a isso tudo o desvio de dinheiro público para engambelar a população, transmitindo-lhe a falsa impressão de haverem sido as eleições um processo imaculado, é sintoma do desvario que domina as elites do poder, incapazes de entender as recorrentes mensagens de repúdio a elas passadas diariamente pela grande maioria dos brasileiros. O discurso governamental, fatigante e enfadonho samba de uma nota só em torno da prevalência dos programas sociais, deveria voltar-se para seus acólitos a fim de estabelecerem a aplicação desses recursos em áreas reconhecidamente pobres e deprimidas, exatamente as que no decorrer dos anos são as principais vítimas dos indefectíveis compradores de votos. O projeto de financiamento de campanhas eleitorais com o dinheiro público é ato de total irresponsabilidade política e social. Servirá apenas para sonegar aos olhos da opinião pública a verdadeira avalanche de corrupção que enodoa a política brasileira.

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