Vídeo de mulher xingando e fazendo ofensas racistas em praia gera revolta na web
RIO — Era um belo domingo de sol e a Praia da Reserva, no Recreio, estava cheia. A agente de viagens Sulamita Mermier, de 31 anos, planejou um dia de folga perfeito com a irmã e uma amiga. Mas, segundo ela, logo após esticar sua canga na areia, começou a ouvir palavras de teor racista, vindas de uma mulher sentada a poucos centímetros de sua barraca. No começo, Sulamita ficou na dúvida, não sabia se era o alvo dos xingamentos. Mas, quando a senhora de meia idade, loura, insistiu em dizer que “não entendia porque mulata pegava sol”, ela teve certeza de que estava sendo vítima de racismo. Ontem, por volta das 15h30m, imagens da acusada, gravadas pela câmera do celular de Sulamita e compartilhadas nas redes sociais, já tinham 2,7 milhões de visualizações. O episódio revoltou internautas e entidades que lutam contra a discriminação.
INDICADA POR INJÚRIA RACIAL
A mulher que aparece no vídeo foi identificada como Sonia Rebello Fernandez, uma pedagoga de 54 anos. Encaminhada por policiais militares para a 16ª DP (Barra), ela foi presa em flagrante no domingo e indiciada por injúria racial, com pena prevista de reclusão de um a três anos e multa. Após pagar fiança de R$ 500, a acusada foi solta e responderá em liberdade. Procurada ontem pelo GLOBO, não foi localizada.
Sulamita conta que já foi vítima de xingamentos racistas no passado, mas nunca imaginou que isso aconteceria numa praia carioca, que deveria ser um ambiente democrático.
— Eu não fiz nada. Estava com minha irmã e minha amiga, que são brancas. Ela falava, olhando para mim: “Hi, Hitler”. “Preto e mulato não são raça, são sub-raça”. “Não entendo porque preto pega sol”. “Esses cabelos duros” — disse Sulamita, acrescentando: — Ela estava com o marido, uma senhora e duas garotas. Quando começou a falar, essa senhora saiu, disse que não era racista e não concordava com as agressões verbais.
Segundo a agente de viagens, a mulher dizia que “pagava um condomínio caro” e que “suburbanos deveriam procurar outra praia”.
—Ela falava que eu só podia morar na Taquara ou em Jacarepaguá. Que eu era encardida.
Após minutos aguentando a agressão verbal, Sulamita conta que começou a gravar a cena. A amiga, chorando, ligou para a polícia. Segundo Sulamita, a confusão começou por volta de 13h30m e durou até umas 16h30m, quando a PM chegou.
— Virou um show. Ela falou: pode gravar mesmo, tenho dinheiro e isso não vai dar em nada.
O vídeo foi compartilhado nas redes sociais por um amigo da vítima. Num dos trechos, Sonia diz: “Sorry, você é mulata. Você é uma complexada, por ter cabelo duro”. Ela também desafia a vítima: “Grava essa m. A gente vai para a delegacia e tu vai pagar mico. Porque eu não sei quem você é, eu sei quem eu sou. Você eu nunca vi”.
Sulamita não esquece as palavras da mulher:
— Era um ódio gratuito. Ela estava incomodada só porque sou mulata. Não tenho vergonha do que sou. Vou levar o caso até o fim.
“CHOCADA E INDIGNADA
Para a ativista do movimento de mulheres negras, Jurema Werneck, integrante da ONG Criola, o caso revela uma realidade terrível, que antes das redes sociais, era conhecido só pelas vítimas:
— Muita gente ficou chocada e indignada. Mas ainda precisamos melhorar a forma como a polícia age: quando chega à delegacia, apesar de todo mundo saber que foi racismo, o caso é registrado como injúria.
Presidente da Comissão de Igualdade Racial da OAB-RJ e Coordenador Nacional de Comunicação do Movimento Negro Unificado, Marcelo Dias diz que as cenas mostram uma atitude racista. Ele ficou chocado com o fato de a acusada ser pedagoga e lamentou que a maioria dos casos de crime de racismo ainda seja enquadrada como injúria, que prevê fiança baixa.
— O crime de racismo, previsto na Constituição,é inafiançável e imprescritível. Mas ninguém é preso por racismo no Brasil. Infelizmente, os crimes de ódio no país são tratados com leniência, e, depois que os legisladores criaram o artigo que prevê a injúria racial, com penas brandas e fianças baixas, todos os casos passaram a ser tratados como injúria. É preciso mudar isso — disse Dias.
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