Procuradoria pede inquérito da PF por ‘omissão’ do MEC em desvios de R$ 500 mi do Fies e ProUni na Universidade Brasil
O Ministério Público Federal em São Paulo requisitou a instauração de inquérito da Polícia Federal para investigar a ‘responsabilidade de servidores do Ministério da Educação (MEC)‘ que teriam contribuído para fraudes de R$ 500 milhões no Fies e ProUni cometidas pela Universidade Brasil, situada em Fernandópolis, no interior do Estado.
A universidade é alvo da Operação Vagatomia, deflagrada na terça, 3, pela PF e Procuradoria em Jales. A força-tarefa investiga desvios na criação e preenchimento de vagas no curso de medicina em Fernandópolis.
A Vagatomia prendeu 22 investigados, entre elas José Fernando Pinto da Costa, dono da Universidade Brasil, e seu filho.
Outro investigado é Rosival Mareus Molina, conhecido como ‘pastor de alunos’. Segundo consta nos autos, ele ‘é apontado como um dos principais suspeitos e mantém relacionamento próximo com José Fernando há vários anos, ‘com quem respondeu por problemas anteriores com a justiça também relacionados à concessão irregular de Fies’.
O Ministério Público Federal destaca ‘a falta de fiscalização das matrículas e a recusa do MEC em colaborar com as apurações sobre a Universidade Brasil como fatores que possibilitaram as fraudes’.
De acordo com os procuradores, as falhas permitiram que ‘pessoas comprassem vagas no curso de medicina e realizassem fraudes para ter acesso ao Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) do Governo Federal, destinado a alunos de baixa renda’.
Entre os estudantes que compraram suas vagas e financiamentos estão filhos de fazendeiros, servidores públicos, políticos, empresários e amigos dos donos da universidade – ‘todos com alto poder aquisitivo, que mesmo sem perfil de beneficiário do Fies, mediante fraude, tiveram acesso aos recursos do Governo Federal’.
“O esquema só foi viabilizado graças à omissão do MEC e de outros órgãos responsáveis por atestar a veracidade das informações dos alunos inseridas no sistema do Fies”, diz a Procuradoria.
O Ministério Público Federal afirma que o MEC ‘não demonstrou empenho em apurar as denúncias de fraudes’.
“Em abril de 2018, por exemplo, a Procuradoria comunicou à pasta o caso de uma aluna do curso em Fernandópolis cujos estudos eram financiados irregularmente com recursos do Fies e indicou que outros matriculados da Universidade Brasil poderiam estar na mesma situação. Na ocasião, o MPF requisitou que o Ministério da Educação prestasse informações sobre as medidas que seriam tomadas para coibir a prática. Até hoje, no entanto, o MEC não se manifestou.”
“Este fato e outros revelam indícios suficientes de que a organização criminosa atuava com servidores do MEC para evitar que a apuração de ilicitudes envolvendo a Universidade Brasil tivesse andamento”, declarou o procurador da República Carlos Alberto dos Rios Junior, responsável pelas investigações da Procuradoria.
O inquérito sobre a conduta dos agentes ligados à pasta vai averiguar a possível prática dos crimes de obstrução de justiça, sonegação de informações e desobediência.
O rombo estimado com o esquema ilícito é de R$ 500 milhões, consideradas as fraudes não só no Fies, mas também no Programa Universidade Para Todos (Prouni).
As investigações incluem ainda matrículas em cursos relativos ao exame de revalidação de diplomas de medicina expedidos no exterior (Revalida) e transferências de alunos de medicina de outros países para estudar na instituição do interior paulista.
O ministro da Educação, Abraham Weintraub, chegou a celebrar a deflagração da Operação Vagatomia nas redes sociais. “Obrigado Sérgio Moro! A Polícia Federal prendeu 20 pessoas por fraudes de R$ 500 milhões no Fies, Prouni e Revalida. Todos ricos que, tiraram vagas de quem precisava, para comprar imóveis e aeronaves. Com o PR Bolsonaro, a festa acabou e tigrada vai para a cadeia, enjaulada”, escreveu o titular da pasta no twitter.
“Devido a declarações públicas como essa, que indicam a disposição do ministro para apurar crimes ocorridos na pasta – apesar do histórico de omissão do MEC quanto à Universidade Brasil –, o MPF encaminhou diretamente a Weintraub um ofício comunicando o pedido de instauração do inquérito e solicitando a ele a indicação de um servidor da pasta, de sua confiança, para participar de uma reunião em Jales no dia 16 de setembro.” O encontro tratará da situação da instituição de ensino e de possíveis medidas para a reversão dos prejuízos causados.
“O MPF quer que o MEC viabilize as condições para que pais e alunos beneficiados pelas fraudes possam realizar o ressarcimento voluntário dos danos, caso se arrependam das práticas ilegais”, diz a Procuradoria.
A devolução dos valores reduziria as sanções em eventuais processos penais por estelionato majorado e inserção de dados falsos em sistema público informatizado, que podem resultar em penas de até 18 anos de prisão.
O Ministério Público Federal ressalta que as fraudes no preenchimento de vagas estão diretamente ligadas ao crescimento irregular do número de matrículas do curso oferecido em Fernandópolis nos últimos anos, o que também se deve à falta de fiscalização pelo MEC.
“Embora a Universidade Brasil tenha permissão para a abertura de até 205 vagas anuais na graduação de medicina, documentos apresentados pela própria instituição demonstram que, hoje, só no segundo ano do curso, há, no mínimo, 403 alunos matriculados. Os números comprovam também o excesso de estudantes nas turmas de terceiro, quarto e quinto anos.”
O ‘desrespeito ao quantitativo autorizado de vagas’ já é objeto de uma ação civil pública que o MPF ajuizou em abril contra a instituição de ensino e o MEC.
“Ao longo das investigações, a Universidade Brasil sonegou dados sobre as matrículas e não revelou exatamente quantos alunos frequentam o curso de medicina”, afirma a Procuradoria.
“Em relação ao primeiro ano, por exemplo, os documentos apresentados indicam 201 calouros admitidos em 2019, mas uma lista obtida pelos estudantes aponta que esse número alcança 299, com indícios de que a oferta de vagas ao longo deste ano possa chegar a 400”, afirma o Ministério Público Federal.
A Procuradoria ainda acusa a Universidade Brasil de realizar manobras judiciais para remeter a ação à Justiça Federal do Distrito Federal. “Temendo que o caso continuasse sob a condução da Procuradoria da República em Jales, a instituição forçou o envio do processo a Brasília com argumentos baseados em decretos e portarias antigos e sem vigência. Para sustentar a ‘tese’, integrantes da organização criminosa falsificaram um documento e, com isso, induziram a erro o relator do caso no Tribunal Regional Federal da 1.ª Região, Roberto Carlos de Oliveira, que deferiu uma liminar pela permanência do excesso de alunos no curso de medicina.”
A Operação Vagatomia revelou que ‘o artifício executado pela universidade constituiu fraude processual’.
O MPF em Jales já compartilhou as provas colhidas com a Procuradoria da República no DF ‘para que se demonstre o crime cometido nos autos e seja determinada sua devolução para o julgamento pela Justiça Federal paulista’.
Os alunos e pais que aceitaram pagar pela vaga e/ou pelos financiamentos públicos, também responderão pelos crimes em investigação na medida de suas culpabilidades, diz a Procuradoria.
Segundo a corporação, uma nova investigação será iniciada para identificar todos que concordaram em pagar pelas fraudes.
COM A PALAVRA, O MEC
Na terça-feira, quando a Operação Vagatomia foi deflagrada, a reportagem pediu manifestação do MEC. Não houve retorno. O espaço está aberto.
COM A PALAVRA, A UNIVERSIDADE BRASIL
A reportagem busca contato com a Universidade Brasil. O espaço está aberto para manifestação.
ASSUNTOS: inquérito, mec, PF, universidade brasil, Policial