Após 4 meses de protestos, Chile não volta à normalidade
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Quatro meses após a eclosão dos protestos que geraram um convulsão social no Chile, deixando 31 mortos e milhares de feridos, a vida em Santiago ainda não se normalizou. Algumas estações de metrô seguem fechadas, atos ainda acontecem, e a sociedade está polarizada. Além disso, a expectativa é de que em março as marchas sejam retomadas com força.
Em 25 de outubro, uma semana depois do início da crise, a reportagem conversou com moradores da capital chilena, que relataram como estavam a cidade e sua rotina em meio ao caos. Nesta segunda (17), a reportagem falou com eles para saber o que mudou.
Um deles é o engenheiro de suporte de computação Rodrigo Valenzuela, 43, que em outubro se uniu aos vizinhos em uma ronda noturna no condomínio para evitar a invasão de criminosos que aproveitavam a situação para roubar.
Ele diz que a vigilância não é mais necessária, mas sua rotina não voltou ao normal. "A mobilidade é um problema. Algumas estações de metrô destruídas continuam fechadas", conta. "Isso, para mim, significa meia hora a mais de trajeto para o trabalho."
Com isso, ele fez um acordo para trabalhar de casa e vai ao trabalho uma vez por semana. Segundo ele, colegas fizeram o mesmo. O engenheiro também evita circular pelo centro às sextas, quando são convocadas as principais marchas.
Segundo ele, o que se diz é que os protestos voltarão em março, após as férias. O problema, diz, é que a única resposta do governo às reivindicações dos manifestantes foi o início de um processo para criar uma nova Constituição --a atual é da época da ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990). "Fora isso, o único que o governo fez foi criar leis anti-saques e antiprotestos. Não há como voltar à normalidade, porque os abusos contra a população continuam."
Brasileira que vive em Santiago há cinco anos, Ana Carolina Menezes, 30, também diz acreditar que em março as manifestações devem "voltar com tudo". "É um mês em que tradicionalmente ocorrem outras marchas, como a feminista, a do Dia do Jovem Combatente. São datas-chave para a população. E existe uma incerteza no ar, um medo."
Para ela, a elaboração de uma nova Constituição é só uma das reivindicações dos manifestantes. "Não mudou nada. A saúde e a educação continuam ruins, o sistema de pensões não foi reformado, o Piñera continua com uma baixíssima aprovação."
Ana participou em outubro e continua participando dos atos e diz que a repressão por parte dos policiais aumentou. "Diminuiu um pouco a quantidade [de protestos], até porque o que aconteceu aqui foi muito violento, as pessoas cansam também. Mas sempre tem alguma marcha, principalmente na sexta e aos fins de semana. Já virou normal ficar sempre alerta sobre quando vai ter manifestação."
Segundo informações de agências de notícias, os protestos vêm crescendo nas últimas três semanas, e o último fim de semana foi agitado em Santiago. Na sexta (14), um grupo de pessoas encapuzadas incendiou um caminhão e uma casa antiga no centro.
Na praça Itália --centro dos protestos desde o início da crise, rebatizada extraoficialmente de "praça da Dignidade" pelos manifestantes--, milhares se reuniram de forma pacífica, contrastando com o que ocorria nas ruas próximas, onde moradores evitavam sair de suas casas, lojas eram fechadas e sinais de trânsito eram destruídos por manifestantes encapuzados.
No sábado, grupos protestaram contra e a favor da criação da nova Constituição --em 26 de abril, um plebiscito vai decidir se ela será mesmo elaborada e por quem será redigida. No bairro rico de Las Condes, cerca de mil pessoas se reuniram para rejeitar a medida. Outro protesto, convocado nas redes sociais, se formou no mesmo local, mas a favor da nova Constituição.
No domingo (16), um clássico do futebol foi suspenso quando membros das torcidas entoaram cantos contrários a Piñera e jogaram fogos de artifício no campo, causando queimaduras em um jogador.
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