O mapa mais detalhado da Via Láctea
A Agência Espacial Europeia (ESA) divulgou nesta quarta-feira dados preliminares do que deverá ser o mais detalhado mapa em três dimensões de nossa galáxia, a Via Láctea. Com informações sobre a posição e brilho de mais de um bilhão de estrelas, este é o primeiro catálogo produzido a partir das observações do satélite Gaia, lançado no fim de 2013, e realizadas entre julho de 2014 e setembro do ano passado. Numa prévia do que deverá ser o produto final da missão, este levantamento também inclui indicações das distâncias e movimento no céu de dois milhões destas estrelas, e deverá fazer o mesmo com ao menos um bilhão delas - ou cerca de 1% da população estelar estimada da Via Láctea - nos seus cinco anos previstos de funcionamento.
- O Gaia está na vanguarda da astrometria, mapeando o céu com uma precisão que nunca foi conseguida antes – comemora Alvaro Giménez, diretor de Ciência da ESA. - A divulgação de hoje nos traz a primeira impressão dos dados extraordinários que nos aguardam e que revolucionarão nosso entendimento sobre como as estrelas estão distribuídas e se movem pela nossa galáxia.
Segundo os responsáveis pela missão, este primeiro mapa demonstra que o satélite está funcionando bem e que é possível lidar com o enorme volume de dados brutos coletados pelo Gaia sobre estas mais de um bilhão de estrelas da Via Láctea. As análises das informações estão sendo feitas por um consórcio formado por cerca 450 cientistas de 20 países europeus, além de Brasil, EUA, Argélia e Israel.
- O belo mapa que publicamos hoje mostra a densidade de estrelas medida pelo Gaia em todo céu, e confirma que ele coletou dados soberbos no seu primeiro ano de operação – comenta Timo Prusti, cientista de projeto do Gaia na ESA, destacando que as linhas e outros borrões vistos neste primeiro mapa vão gradualmente sumir à medida que o satélite continue com suas observações. - Embora os dados atuais sejam preliminares, queríamos que eles estivessem disponíveis para a comunidade astronômica o mais rápido possível – justifica.
Além de processar as informações preliminares das 1,142 bilhão de estrelas, o consórcio combinou os dados do Gaia sobre cerca de dois milhões delas com os dados constantes nos catálogos anteriores, e menos precisos, Hipparcos e Tycho-2, ambos resultados da missão Hipparcos, também da ESA, que mapeou o céu há mais de 20 anos e são as principais referências atuais da astrometria. Este cruzamento permitiu desacoplar os efeitos da paralaxe e do movimento próprio destas estrelas na sua posição no céu – paralaxe é a mudança na posição aparente de astros distantes causados pela alteração do ponto de vista da Terra enquanto ela orbita o Sol ao longo do ano, enquanto o movimento próprio, como o nome indica, é o movimento em si das estrelas pela galáxia.
Com isso, os cientistas puderam estimar a distância e o movimento destas dois milhões de estrelas com precisão inédita. E, como parte do trabalho de validação destas informações, eles ainda conduziram estudos dos chamados aglomerados estelares abertos - grupos de estrelas relativamente jovens formadas aproximadamente ao mesmo tempo e que, portanto, têm a mesma idade -, demonstrando as melhorias obtidas com o novo mapeamento.
- Com o Hipparcos, só pudemos analisar a estrutura e dinâmica em 3D de Híades, o aglomerado aberto mais próximo do Sol, e medir as distâncias de cerca de 80 outros aglomerados a até 1,6 mil anos-luz – diz Antonella Vallenari, pesquisadora do Instituto Nacional de Astrofísica da Itália (Inaf) é do Observatório Astronômico de Pádua. - Mas, só com estes primeiros dados do Gaia, agora é possível medir as distâncias e movimentos de estrelas em 400 aglomerados a até 4,8 mil anos-luz. Para ps 14 aglomerados abertos mais próximos, os dados revelaram que muitas estrelas estão surpreendentemente distantes do centro deles, provavelmente escapando para popularem outras regiões da galáxia.
O novo censo estelar do Gaia também traz dados de 3.194 das chamadas estrelas variáveis, que incham e encolhem de forma ritmada, mudando seu brilho periodicamente. Estas estrelas, dos tipos conhecidos como “cefeidas” e “RR Liras”, também servem como “réguas” para medir as distâncias cósmicas, já que suas variações de brilho seguem padrões conhecidos. E destas mais de 3 mil já catalogadas pelo Gaia, 386 são novas descobertas, e muitas estão localizadas na Grande Nuvem de Magalhães, uma das relativamente pequenas galáxias-satélite da Via Láctea.
- Estrelas variáveis como as cefeidas e as RR Liras são valiosos indicadores das distâncias cósmicas – reforça Gisella Clementini , também do Inaf e do Observatório Astronômico de Bolonha, ainda na Itália. - Enquanto a paralaxe é usada para medir as distâncias de grandes amostras de estrelas da Via Láctea diretamente, as estrelas variáveis fornecem mais um indireto, porém crucial, degrau na nossa escala de distância cósmica, permitindo que estendamos (estas medidas) até galáxias distantes. E isto é só o começo. Medimos a distância para a Grande Nuvem de Magalhães para testar a qualidade dos dados e tivemos um vislumbre das melhorias dramáticas que o Gaia em breve trará para nossa compreensão das distâncias cósmicas.
Por fim, as melhorias na precisão dos dados da posição e movimentos das estrelas da Via Láctea não só vão ajudar na maior compreensão das características e história de nossa galáxia como também no conhecimento de nossa vizinhança cósmica mais imediata, o Sistema Solar. Um exemplo disso foi a chamada ocultação de uma destas estrelas por Plutão ocorrida em julho passado, em que o hoje classificado como planeta-anão passou em frente ao astro do ponto de vista da Terra, fazendo com que desaparecesse atrás dele e depois reaparecesse. Tais fenômenos permitem que os cientistas estudem características dos objetos que fazem a ocultação da estrela, mas são visíveis apenas em estreitas faixas de terra de nosso planeta, como acontece com os eclipses solares, então saber com mais precisão a posição das estrelas possibilitam melhor prever quando as ocultações vão ocorrer e de onde poderão ser observadas.
- Estes três exemplos (de estudos) demonstram como os dados presentes e futuros do Gaia vão revolucionar todas as áreas da astronomia, permitindo que investiguemos nosso lugar no Universo, desde nossa vizinhança local, o Sistema Solar, até a galáctica e mesmo em escalas maiores, cosmológicas – destaca Anthony Brown, pesquisador da Universidade de Leiden, na Holanda, e presidente do consórcio científico que analisa os dados do satélite.
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