Assad diz que sua fuga não foi planejada e que Síria caiu nas mãos de terroristas
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O ex-ditador da Síria Bashar al-Assad usou sua primeira declaração desde que foi deposto, há pouco mais de uma semana, para afirmar que a fuga para a Rússia não foi planejada com antecedência e que Damasco caiu nas mãos de terroristas. O comunicado foi publicado no canal do Telegram da Presidência síria nesta segunda-feira (16).
"Minha saída da Síria não foi planejada nem ocorreu durante as últimas horas da batalha, ao contrário de certas afirmações", declarou ele. O ex-ditador afirma que permaneceu na capital cumprindo suas funções até as primeiras horas de domingo (8).
Naquele dia, uma ofensiva relâmpago de 11 dias liderada pelo movimento islâmico HTS (Organização para a Libertação do Levante, na sigla em árabe) chegou a seu último capítulo ao tomar Damasco, antigo bastião do regime. A queda da capital encerrou mais de 50 anos de governo autoritário da família Assad e abriu um caminho ainda incerto para o país.
O colapso do regime surpreendeu o mundo e provocou celebrações na nação e em vários países que receberam a diáspora síria desde o início da guerra civil, desencadeada após a sangrenta repressão aos protestos pró-democracia em 2011.
Assad diz que, diante do avanço dos insurgentes em direção à capital, deslocou-se para Latakia, na costa do Mediterrâneo, para "supervisionar as operações de combate" em coordenação com a Rússia, aliado que enviou sua Força Aérea à Síria em 2015 para repelir as forças rebeldes.
Ao chegar à base aérea russa de Khmeimim naquela manhã, no entanto, ele diz ter percebido que suas tropas "haviam se retirado completamente de todas as linhas de batalha e que as últimas posições do Exército haviam caído".
Ainda segundo seu relato, a base militar russa foi "intensamente atacada por drones". "Sem meios viáveis de deixar a base, Moscou solicitou que o comando organizasse uma evacuação imediata para a Rússia", diz ele na declaração, após afirmar que agora seu país estava "nas mãos de terroristas".
Antes disso, afirma, ele não havia considerado renunciar ou buscar refúgio. No dia seguinte ao da fuga, o Kremlin afirmou que o presidente Vladimir Putin tomou a decisão de conceder asilo ao aliado.
Na semana passada, a Reuters afirmou que Assad não confidenciou a quase ninguém sobre seus planos de fugir da Síria. Em vez disso, assessores, funcionários e até parentes foram enganados ou mantidos no escuro, disseram à agência de notícias mais de uma dúzia de pessoas com conhecimento dos eventos.
Diversas organizações que atuaram no país ao longo da última década celebraram a queda de Assad. Algumas dessas entidades, no entanto, esperam para ver como as novas autoridades vão tratar as minorias étnicas do país. Ex-braço sírio da Al-Qaeda, o HTS afirma ter rompido com o jihadismo, mas continua sendo classificado como um grupo terrorista por vários países do Ocidente, incluindo Estados Unidos e Reino Unido.
Ambas as nações disseram ter estabelecido "contatos diplomáticos" com a organização durante o fim de semana, e outros países ensaiaram uma aproximação.
A Espanha, por exemplo, planeja o retorno de seu principal diplomata a Damasco, anunciou nesta segunda o chefe da diplomacia José Manuel Albares Bueno. Já a Turquia, ator importante do conflito, reabriu no sábado (14) sua embaixada em Damasco, expressando disposição para fornecer ajuda militar.
"Não podemos deixar um vazio", disse a vice-presidente da Comissão Europeia, Kaja Kallas, nesta segunda, antes de uma reunião de ministros das Relações Exteriores do bloco. Segundo a funcionária, a União Europeia analisará como o grupo se comporta. "Queremos que os fatos sigam na direção certa. Então [analisaremos] não apenas o que dizem, mas também o que fazem", disse.
O enviado especial da ONU para a Síria, Geir Pedersen, reuniu-se no domingo (15) em Damasco com Abu Mohamed al-Jolani, chefe do HTS, para quem pediu uma transição "credível e inclusiva".
As novas autoridades tentam tranquilizar a comunidade internacional. O novo primeiro-ministro encarregado da transição até 1º de março, Mohamad al-Bashir, por exemplo, prometeu "garantir os direitos de todos".
Em Latakia, de onde Assad supostamente fugiu para a Rússia, centenas de homens e algumas mulheres das antigas forças do regime formavam uma longa fila nesta segunda para depor suas armas. Segundo o responsável pelo local, Mohamad Mustapha, 26, ex-soldado rebelde de Idlib, 400 pessoas se apresentaram no domingo para a abertura do centro.
"Esperamos pelo menos mil hoje", disse, estimando que pelo menos 10 mil ex-soldados e policiais deveriam se apresentar nessa província, um bastião da minoria alauíta de onde provém o ditador deposto.
"Precisamos de paz, não de novos combatentes", afirma à agência de notícias AFP Mohamad Fayoub, 37, policial em Hama durante dez anos e oriundo de Latakia, que se apresentou espontaneamente após ver o aviso nas redes sociais.
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