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Ataque contra associação judaica faz 30 anos na Argentina sob laços inéditos do país com Israel

Por Folha de São Paulo

17/07/2024 19h45 — em
Mundo



BUENOS AIRES, ARGENTINA (FOLHAPRESS) - Para muitos que viviam nos arredores do bairro Once em Buenos Aires, um centro comercial caracterizado por forte presença de imigrantes e seus descendentes, um episódio deixou marca comum em suas vidas na manhã de 18 de julho de 1994.

No maior atentado terrorista da história da América do Sul, a explosão de um carro-bomba na sede da associação judaica Amia, que naquele ano celebrava seu centenário no país, deixou 85 mortos. Dois anos antes, um ataque à Embaixada de Israel na capital argentina matou 29 pessoas.

Os anos que se seguiram são lembrados por amplas acusações de que houve displicência do Estado na promoção de investigação e de justiça. Mas neste marco de três décadas há um contexto completamente diferente.

Quando assumiu a Casa Rosada, há sete meses, o presidente Javier Milei deu início a uma aproximação histórica com Israel e o com o governo do conservador premiê Binyamin Netanyahu.

Na contramão de uma região majoritariamente crítica a como Netanyahu tem conduzido a guerra contra o Hamas em Gaza, Milei mantém um discurso de apoio a Tel Aviv. Em uma visita ao país, disse que iria transferir a embaixada argentina para Jerusalém. Um dèjá-vu de Donald Trump que, no entanto, parece não ter nenhuma data para sair do papel.

Aproximou-se também da comunidade judaica. Seu embaixador em Israel, Axel Wahnish, é rabino e antes foi sua espécie de guru espiritual. Recentemente, Milei declinou de ir a um evento com embaixadores árabes do qual participaria um representante palestino.

Buenos Aires acaba de declarar o Hamas uma organização terrorista. E, ao fazê-lo, diz que o grupo tem ligações com o Irã, cujo regime atua por meio da chamada "guerra de procuração" contra Israel. Além disso, a Justiça argentina decidiu que Teerã foi o mandante intelectual do atentado à Amia.

Para Patricia Bullrich, ministra de Segurança linha-dura de Milei, uma questão urgente é debater com os países vizinhos a presença de membros do Hezbollah -milícia extremista libanesa financiada pelos iranianos-- na região da Tríplice Fronteira (Argentina-Brasil-Paraguai).

Por essas falas Bullrich já causou repulsa no Chile e na Bolívia. Deste último, que assinou contratos de segurança com o Irã, ela recebeu um comunicado da diplomacia afirmando que jamais protegeria em suas fronteiras nacionais figuras que promovam o terrorismo.

Este conjunto de sinais do governo argentino tem sido muito bem visto por parte das organizações judaicas regionais, ainda que reservadamente alguns representantes da comunidade digam que Milei ainda assim tem um radicalismo danoso à democracia.

Afirmam, porém, que foi ele quem "tirou do banho-maria" temas como a condenação veemente do que ocorreu na Amia em 1994.

O diretor executivo da associação, Daniel Pomerantz, ele próprio um sobrevivente do ataque de 30 anos atrás, elogia a aproximação do governo com Israel, o que seria "uma questão ética, de estar do lado certo da história". Mas reforça que o caso do atentado é judicial e pouco depende do Executivo.

De uma maneira ou de outra, o contexto geopolítico ainda imprime sua marca nestas três décadas. O ato organizado por entidades judaicas nesta quarta-feira (17) em um hotel na região de Puerto Madero foi exemplo disso.

Nele estiveram, além de Milei, o presidente do Paraguai, Santiago Peña, e do Uruguai, Luis Lacalle Pou. Ambos foram convidados pela Casa Rosada em acordo com as organizações. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não foi chamado.

Não apenas porque Lula tem conflitos diretos com Milei, mas porque a posição do petista em relação à guerra em Gaza, ao acusar Israel de genocídio, é alvo de duras críticas das organizações judaicas.

Pomerantz, da Amia, diz ver com preocupação "posições injustas de alguns países da região sobre a responsabilidade que tem o Hamas, operador dos ataques de 7 de Outubro, em tudo isso". O Brasil é um deles?, a reportagem pergunta. Ele diz que, evidentemente, sim, ao lado do Chile de Gabriel Boric e da Colômbia de Gustavo Petro.

O ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, estava entre os convidados, mas declinou. À reportagem a pasta chefiada por ele disse que a negativa se deveu a questões orçamentárias da viagem.

O embaixador do Brasil em Buenos Aires, Julio Bitelli, que representaria o país, está em Brasília justamente após ser chamado para rever os rumos das relações bilaterais. O encarregado de negócios da embaixada, Maurício Favero, foi em seu lugar.

Além dele, alguns poucos deputados, todos do campo conservador, compunham a inexpressiva representação brasileira. Entre os nomes confirmados, o do deputado federal Fernando Máximo (União Brasil-RO).


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